Encantamento para manter a vida: mesa da curadoria traz diálogo entre literatura e povos indígenas nesta sexta-feira (18)

20 de novembro de 2022 - 14:56

 

Encantamento para manter a vida: mesa da curadoria traz diálogo entre literatura e povos indígenas nesta sexta-feira (18)

A roda de conversa com Edson Kayapó e Joca Reiners Terron teve como tema “distopia e decolonialidade”. A mesa “Viva Lygia Fagundes Telles” trouxe debate de Tércia Montenegro com o pesquisador Nilton Resende

“Os povos indígenas estão lutando por uma história de envolvimento e encantamento das relações”. É o que afirma o escritor Edson Kayapó. Ele e Joca Reiners Terron realizaram a roda de conversa “Distopia e Decolonidade: Um diálogo contemporâneo na literatura sobre os povos indígenas” na mesa da curadoria “O mundo e suas voltas”, na noite desta sexta-feira (18), na XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará. A Bienal do Livro é uma realização da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult Ceará) e do Instituto Dragão do Mar (IDM).

Escritor premiado pela Unesco e professor do Instituto Federal da Bahia, Edson é filho de pai Kayapó e mãe Mebêngôkre, nascido na floresta amazônica, no Amapá. Aos 8 anos de idade, foi selecionado por um grupo de missionários para estudar em um colégio interno no município de Altamira. “Viajamos durante uma semana para chegar a Altamira. Eram regras rigorosas na escola, com sinos para tudo. Não podíamos tomar banho no rio, subir em árvore ou ir para a floresta. Éramos todas crianças indígenas e a nós era proibido relembrar da nossa ancestralidade”, conta, destacando que a instituição se assemelhava à escola descrita pelo filósofo Michel Foucault em Vigiar e Punir. O “inferno” que viveu fez com que ele perdesse sua língua e reprimisse a espiritualidade de sua origem.

“Quando voltei para a minha terra, me olharam com estranhamento. Falei com o pajé na beira do rio e contei sobre todos os lugares onde estive. Ele escutou com atenção”, diz. Edson descreveu ao pajé os grandes centros urbanos cheios de gente, com pessoas que andavam rápido, não conversavam e sequer se olhavam. Sobre a ausência de árvores. Elas até existiam, mas eram poucas e estavam em espaços cercados. Sobre os rios poluídos que cortavam as cidades. “Então lá não tem Caruana”, concluiu o pajé. Caruana são os seres encantados que mantêm o equilíbrio entre a vida humana e a vida não humana. “Onde não tem Caruana, as pessoas não estão muito aí para as outras. São relações desencantadas”, explica, afirmando o compromisso dos povos indígenas com o reencantamento.

O escritor mato-grossense Joca Reiners Terron relembrou de uma fotografia de seu avô, de ascendência alemã, com seu melhor amigo indígena. Essa relação atravessada pela presença indígena e negra no Mato Grosso, região violentamente colonizada pelas bandeiras, acabou por servir de influência na elaboração do seu romance A morte e o meteoro (2019). A narrativa conta a história da tribo fictícia kaajapukugi em uma Amazônia praticamente acabada. O resgate é elaborado pelo sertanista Boaventura, que planeja transferir os cinquenta indígenas remanescentes para o México. “O Boaventura é um homem branco que está no limbo da sociedade branca com a sociedade indígena. Um homem que já não se reconhece mais como representante da nossa sociedade, mas que representa todos os erros cometidos pela antropologia no início do século XX”, explica.

A esperança do encontro

A mesa “Viva Lygia Fagundes Telles” recebeu na noite desta sexta-feira (18) o escritor e professor da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), Nilton Resende, e a curadora da Bienal Tércia Montenegro. Tércia leu o trecho de uma crônica escrita em homenagem à escritora, falecida no início deste ano, sobre o mistério de sua idade – na verdade, ela era cinco anos mais velha do que dizia. “Ela foi uma rebelde sutil, não foi uma rebelde escandalosa, que ficasse fazendo protestos em alta voz. Mas ela sempre colocou as suas marcas, as suas inovações, a sua revolução discreta que nos ensina profundamente”, diz.

Especialista na obra da escritora, Nilton Resende divide o trabalho dela em “três Lygias diferentes”: a contista, a cronista e a romancista. Segundo ele, o romance era o espaço de experimentação, a crônica trazia um lirismo que não estava presente em outros gêneros de sua literatura e o conto evidenciava a grande escritora. Para ele, embora não haja esperança para as personagens de Lygia, a esperança acontece no encontro entre a obra e o leitor.

“Hoje o que me fascina é o fato de a obra dela ter muito do inapreensível. Não tem certezas na obra dela. O ser humano é inalcançável, inacessível e incontrolável e a obra dela diz isso”, comenta. Para ele, é importante parar de colocar a razão como mediador. “A gente tem que começar a aceitar que o mediador é o mistério. A gente não tem que entender as obras, a gente tem que experienciar”, explica.

Em sua 14ª edição, a Bienal Internacional do Livro do Ceará acontece de 11 a 20 de novembro de 2022 no Centro de Eventos do Ceará. Apresentada pelo Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura e do Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura (IDM), o evento acontece em parceria com a Secretaria de  Educação do Ceará (Seduc), Secretaria de Turismo do Ceará (Setur), Secretaria de Ciência, Tecnologia  e Educação Superior do Ceará (Secitece), Programa Mais Infância, Universidade Estadual do Ceará, Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece), o Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Ceará, a Câmara Cearense de Livro e o Sindilivros CE. O apoio é da RPS Eventos, Sesc Senac, Banco do Nordeste Cultural, Universidade de Fortaleza, Unilab, Universitária FM, TV Ceará, Jornal O Povo/Vida e Arte, Fundação Demócrito Rocha, Pixels Educação Tecnológica, Instituto Juventude Inovação, Secretaria Municipal de Educação e Prefeitura de Fortaleza.

Para saber mais da programação da Bienal Internacional do Livro Ceará, basta acessar AQUI (programação sujeita a alterações).