Abertura da XII Bienal Internacional da Dança do Ceará: Confira fala de Fabiano Piúba, Secretário de Cultura do Estado do Ceará

17 de outubro de 2019 - 08:57

XII BIENAL INTERNACIONAL DE DANÇA DO CEARÁ Cerimônia de abertura, 16/10/2019 Theatro José de Alencar

 

Boa noite.

Sejam todas e todos bem-vindos ao Teatro José de Alencar, esse templo da cultura.

 

Para começar, Viva Pina Bausch, celebrada nesse festival por sua obra e vida que caminharam juntas como uma só entidade. As histórias compostas e compartilhadas que são referências éticas e estéticas para quem faz e frui artes. Pina esteve no Cariri entre 2002 a convite de sua amiga Violeta Arraes e conheceu a chapada e tocou pife e dançou com os Irmãos Aniceto ao som de sua bicentenária banda cabaçal.

Viva o Colégio de Dança do Ceará. A experiência de formação em dança mais inventiva, experimental, criativa, crítica, louca, exuberante, potente, pulsante, lírica, onírica e tão cheia de vida. Como vocês se sentem agora, Flávio Sampaio, Ernesto Gadelha, Cláudia Pires, Wilemara Barros, Socorro Timbó, Silvia Moura e tantos outras pessoas fabulosas e lindas que foram professores e estudantes do Colégio de Dança do Ceará. Você tinha dimensão de onde estariam agora e das folhas, flores e frutos que vocês fizeram brotar a partir desse lugar que o Theatro José de Alencar?

Viva a Bienal Internacional de Dança do Ceará que chega a 22 anos de existência e em sua 12ª edição. A Bienal de Dança é flor e fruto. E céu. Mas também solo que possibilitou e possibilita que os pés e as asas de quem dança encontra neste festival o terreno, o território, a cena e o palco mais bonito e afetuoso, mais democrático e diverso, mais humano e generoso, mais poético e político. Um beijo e abraço para esse corpo-espírito inquieto, alucinado, obsessivo, inteligente, competente, generoso, amigo, amante que o Davi Linhares. Então, viva o Davi!

A Bienal de Dança do Ceará está consolidada não apenas no calendário cultural brasileiro e no circuito de festivais artístico e de dança do Brasil, mas também da América do Sul em conexão com o mundo. O apoio, o fomento e o financiamento da Secretaria da Cultura, seja por meio do edital do Mecenato ou da estrutura e programação de seus equipamentos culturais, como o Theatro José de Alencar, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, a Escola Porto Iracema das Artes, o Cineteatro São Luiz, o Centro Cultural do Bom Jardim e o Porto Dragão – onde será realizado o Trajetos em Cena – não é mais do que um dever e uma obrigação de uma política pública de cultura do estado do Ceará.

Mais algumas coisas. E aqui vou me repetir um pouco em outras falas que tenho compartilhado desde um tempo mais recente e um tanto sombrio. Estão querendo calar as artes e os artistas. A arte é a própria encarnação e reencarnação da liberdade de expressão. Ela é alma e é carne e é espírito.

Em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo” Ailton Krenak escreve: “Nosso tempo é especialista em produzir ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar e de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta e faz chover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim do mundo” (…) É importante viver a experiência da nossa própria circulação pelo mundo, não como uma metáfora, mas como fricção, poder contar uns com os outros”.

Ouvindo assim a sabedoria de Ailton do Povo Krenak, podemos dizer que nossa missão é adiar o fim do mundo, experimentando o prazer de estar vivo com as nossas artes e com a nossa capacidade de contar histórias e sempre poder contar mais uma e outra. Mas não quaisquer histórias. São as histórias que dão sentido a vida em sociedade e a experiência de viver em comunhão com a natureza, com o cosmo e, substancialmente, com nós mesmos. Isso nos exige a capacidade de luta, de resistência, mas também de amor e de ternura. Essa faculdade humana de amar é imprescindível, inclusive, para que possamos construir um mundo melhor. Podemos adiar o fim do mundo contando e cantando histórias, coreografando e dançando histórias. E a cultura e as artes são as dimensões mais potentes para tal missão. Sobretudo, quando podemos contar uns com os outros. Aliás, Daniel Munduruku terminou sua fala na Bienal do Livro do Ceará deste ano dizendo que o lema da Bandeira Nacional deveria ser: “Ninguém solta a mão de ninguém”.

Portanto, hoje, não exatamente pela nossa vontade, a dimensão política das artes, ganhou um componente de resistência tremendo. A arte é um posicionamento diante do mundo. A arte é conhecimento e cena. È ruptura e dissidência. A arte desorganiza e cria mundos. A arte é transgressão e liberdade. A arte é política. Façamos arte e estamos fazendo política. No nosso campo, a arte em sua diversidade plena (étnica, cultural, sexual, territorial e etcétera e tal) e sua ação política libertária.

A Arte ocupa esse lugar do choque, do incomodo, da reflexão e de muitos outros que nos fazem enxergar mais longe. A censura ao contrário fecha, delimita e oprime.

A arte é “trans” – transformação, transcendência e transgressão. Ela sabe ir além. Das coisas para além do horizonte, para além de onde a vista alcança e para além da fronteira do pensamento. Assim assado, “trans” indica travessia, deslocamento ou mudança de uma condição para outra, de um espírito para outro, de uma visão para outra, de uma realidade para outra. Poesia é transformar uma em outra. Arte é transformar umas cosias em outras coisas. Senão não é arte.

A Arte é o ambiente do incomodo, um lugar do choque e nos fazer enxergar além e mais longe. Ele não combina com a censura. A censura é um monstro terrível que nos delimita e nos oprime. A arte não, ela nos expande, nos esparrama, nos liberta.

Zé Celso Martinez em um texto recente escreveu um poema-manifesto intitulado “Arte pra quê? Arte pra quem? Arte por que?”. Ao final do texto ele escreve:

Direitos individuais e liberdade de expressão.

São mais q direitos sociais, são direitos sagrados humanos

como são pra Personagem de Antígone;

são próprios da natureza Humana. Transcende os

Tribunais y os julgamentos.

(…)

A arte in si é uma Religação: uma Religião da Criação,

Cuidado y Cultivo da Natureza da Vida.

Y é livre como o Amor”.

Por isso que tenho dito, como uma flor-de-punho que se por uma margem não há resistência sem luta; não há existência sem amor. Com a outra margem não há existência sem luta; e não há resistência sem amor.

(R)EXISTIR
saibamos que mesmo em tempos sombrios,
ainda há luzes;

que em tempos de ódios,
perseveram os amores;

que em tempos de hostilidades,
perduram os espíritos solidários;

que em tempos de caos,
persistem as cosmologias originárias;

que em tempos de devastação,
sobrevivem os espíritos das florestas;

que em tempos de agruras,
teimam as alegrias;

que em tempos de obscurantismo,
insistem as belezas;

que em tempos de barbárie,
obstinam-se os conhecimentos;

que em tempos de ignorância,
resistem as artes.

 

Estamos aqui para adiar o fim do mundo com as nossas artes e com as vossas artes de dançar. Como falei no ano passado, recordando minha mestra Luiza de Teodoro, “dançar foi a primeira tentativa de voo do ser humano. Estamos aqui, portanto para voar.

 

Por fim, parafraseando Fernanda Montenegro, vamos vencer pela arte. E mais, pela nossa capacidade de amar, pensar, existir e resistir: rexistir.

 

Viva a Bienal de Dança do Ceará!

Fabiano dos Santos Piúba

Secretário de Cultura do Estado do Ceará