Lira Neto e Mário Magalhães debatem o gênero biografia no terceiro dia de Bienal do Livro

9 de dezembro de 2014 - 00:07

 

A XI Bienal Internacional do Livro do Ceará, em seu terceiro dia, reservou uma programação especial sobre a biografia, gênero que há tempos vem ganhando a admiração do leitor brasileiro. O premiado escritor cearense Lira Neto, autor de “Getúlio”, e o biógrafo de Marighella, o carioca Mário Magalhães, estiveram presentes na mesa intitulada “Biografar Brasileiros”, que aconteceu na sala 2 do segundo mezanino do Centro de Eventos do Ceará. A escritora Socorro Acioli também participou do debate, como mediadora.

Conhecidos de longa data, os escritores, ambos jornalistas, conversaram sobre as dificuldades e os prazeres que envolvem a arte de biografar. Logo no começo de sua fala, Mário Magalhães até brincou: “Já participamos de tantos eventos juntos que já conheço todas as piadas do Lira”. Os dois estiveram juntos pela última vez em Fortaleza no I Festival Internacional de Biografias (FIB), que aconteceu no ano passado.

O situação do arquivo público no Brasil foi uma das primeiras questões levantadas pela mediadora da mesa, Socorro Acioli. A escritora perguntou aos convidados como se dá o acesso e como está o atual estado de preservação dos arquivos que guardam a história do País, que servem como fonte primordial para os biógrafos.

“Sou rato de arquivo. Para escrever o livro do Marighella estive em 32 arquivos públicos e privados de cinco países. Posso dizer que a situação do Brasil não é tão ruim. Mas precisamos, com certeza, preserva mais os arquivos nacionais, principalmente os estaduais”, assim Mário Magalhães iniciou o bate-papo.

A opinião é compartilhada por Lira que destaca sua facilidade no acesso às informações enquanto esteve escrevendo “Getúlio”. “Tive grande sorte no Brasil, mesmo também tendo pesquisado em outros países. Pude acessar grande parte dos documentos que estavam disponíveis na Internet pelo CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Dessa forma, consegui concluir a primeira parte do livro rapidamente, acessando tudo de casa. O melhor é que qualquer um de vocês podem fazer isso”, acrescentou.
Mário Magalhães também lembrou da Lei do Acesso à Informação, que, desde 2012, vem facilitando que a arte de biografar se dissemine, a partir da consulta à memória do País. Segundo o autor, a lei serve como um incentivo para os escritores de biografias. “Ao contrário do que dizem, há tesouros nos arquivos públicos que nunca foram revelados”, lembra.

A polêmica das biografias


Se encontrar a informação está mais fácil para o biógrafo, por outro lado o trabalho de biografar tem sido dificultado. A polêmica sobre as biografias, que vem se arrastando desde o ano passado, não poderia ficou de fora da conversa. Os dois escritores já declararam que não farão mais biografias enquanto os dois artigos (20 e 21) do Código Civil, que entraram em vigor em 2003, não sejam alterados.
Segundo os autores, os artigos na lei são um retrocesso na democracia atual. “Essa lei consegue fazer mais censura do que na ditadura militar em que vivemos anos atrás”, critica Mário.
Já o escritor Lira Neto afirma ter esperança de uma mudança na lei. “A pauta sobre a mudança do Código Civil já está está indo para o Senado. Acredito que em 2015 haja mudanças. Os ministros do supremo precisam se posicionar. A mídia precisa discutir”, acrescenta.
“Da forma que está, qualquer um que se sentir ofendido pode tirar nossos livros das livrarias, sem levar em contar o nosso trabalho de biografar”, afirma Mário.”O biografado ideal não deveria ter filhos e também estar morto”, o escritor conclui com tom de humor, relembrando as palestras dos grandes biógrafos brasileiros Ruy Castro e Fernando Meireles.

O que diz a lei

O texto do artigo 21 do Código Civil traz que “a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. 

Seis anos para uma informação
A perseverança e o poder de convencimento também fazem parte do trabalho dos biógrafos. Mário Magalhães lembra que demorou dois anos para saber como foi a sensação do pai de Marighella, o imigrante italiano Augusto Marighella, ao descer pela primeira vez à Bahia. “Demorei dois anos para saber mais ou menos. Achei a informação no arquivo público da Bahia”, comentou.

Mais do que isso, foram os seis anos em que o biógrafo se dedicou para “arrancar” de Clara Charf,  viúva do político e guerrilheiro, uma única descrição. “Queria saber como foi o primeiro beijo do casal. E ela nunca me disse. Precisei conquistar a confiança dela, até que um dia ela me contou. Tudo isso para, no final, registrar apenas algumas linhas no livro”, expõe o escritor.

 

Sobre os autores

Lira Neto é cearense nascido em Fortaleza. Escreveu, entre outros livros, as biografias Getúlio (em três volumes, Companhia das Letras, 2012, 2013 e 2014), Padre Cícero (Companhia das Letras, 2009), Maysa (Globo, 2007), O Inimigo do Rei (Globo, 2006) e Castello (Contexto, 2004). Em 2007, o autor foi agraciado com o Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria melhor biografia do ano, pelo livro O Inimigo do Rei: Uma biografia de José de Alencar. O escritor cearense estará ainda junto com Raquel Cozer na palestra O Resenhista e o Crítico Literário na (in)formação do leitor, mediado por Edmílson Caminha, na terça-feira (09), às 15 horas.

Mário Magalhães nasceu no Rio de Janeiro. É autor da biografia “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo” (Companhia das Letras). O livro foi premiado seis vezes: Prêmio Jabuti, Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), Prêmio Casa de las Américas, Prêmio Brasília de Literatura, Prêmio Direitos Humanos e Prêmio Botequim Cultural.