MESTRE RAIMUNDO ANICETO E O CICLO INFINITO DA VIDA

17 de outubro de 2020 - 15:01

MESTRE RAIMUNDO ANICETO E O CICLO INFINITO DA VIDA

Não há um fim na morte. Esta, é a continuidade, outro plano para a luz permanecer seu itinerário encantado pelas veredas do infinito.

É a taboca que toca no pife.
A timbaúba que vem zabumbar.
Prato comprado na feira do Crato.
Vem da Batateira.
Toque de caixa vem da Baixa Danta.
O som da mata e do Pajé.

É cabaçal, pife de pau, coco, xote e baião.
Tarrabufado é choro, xaxado é chamego.
Dentro do meu coração.

É o forró, forró, forró, forró, forró,
é o forró daqui.
É o forró, forró, forró, forró, forró,
é o forró no Cariri.

(Forró no Cariri – Correinha e Calé Alencar)

Se eu me chamasse Raimundo o mundo se mudaria lá pra onde a casca avoa, pra onde o miolo fica. Raimundo pife sagrado pífano sopro soprado, xaxando no chão rachado, vai no seco e no molhado, no rumo da Batateira. Vai no zabumba, vai na caixa, Severino, manso como seu destino nos cinco dedos da mão. Cinco sentidos, cinco tons de azul zuarte, arte para toda parte, toda arte o azul do céu. É um compadre, um irmão, é seu menino, um mestre dono do tino, malassombro, assombração.

Raimundo é raio, ser de luz, é Aniceto, deus da feira, traço reto, rota certa e contramão. Ave, Maria, do tamanho da beleza, soando na boniteza do sopro dessa taboca. Taboca boio, assim ele me dizia, sete furos que encontraram a mais pura melodia, sete furos da cabeça num pedaço de taboca, um corisco na chapada, Baixa Danta, coração.

Deu meio-dia, deus do céu, cadê Raimundo, foi-se encontrar com João. Pediu a bênçâo ao compadre Zé Lourenço, abraçou o mestre Chico e Antônio, seu irmão. Foi sem maleita, na paz, pro mundo encantado, na luz fez sua passagem pro outro lado desse mundo, com a luz que os facões luziam caiu num sono profundo. Um Severino Brabo vaga pelo espaço, um peito, um pulmão de aço pra soprar seiscentos pifes. Mestre menino, mestre mais iluminado, futuro e nosso passado, um sopro no mêi do mundo. Tudo viaja, tudo vai e tudo volta, um sopro vivo exibe o santo pife Mundoca. Um bem-te-vi rondava o mestre no roçado, ficou em disco gravado que toca, toca e toca.

Salve, meu mestre, seu Raimundo Aniceto, que seja de luz a vida, a morte e a ressurreição. Após 3 dias você vira uma taboca, quando for no tempo certo, nas ondas do mais sagrado, feito winu cariri, tu apareces encarnado, pelas mãos de uma criança, tocando pife outra vez.

Deus abençoe sua passagem pelo mundo, que o mundo então reconheça o tanto que essa cabeça foi e será sempre som. Que deus te guarde, te proteja, te alumie, bendito louvado seja o rosário azul e branco que carregas no pescoço, bendita seja tua carne, bendito seja teu osso. Bendito seja o caminho que te leva à eternidade num vôo sobre a cidade, na asa do vento vai. Vai nesse rumo pro sertão abençoado, hoje o sertão vira mar, hoje o mar virá sertão.

Hoje é o dia 15, outubro o nome do mês, do ano da pandemia. Vai na paz, mestre Raimundo que essa banda cabaçal foi o teu pai que fundou. Vai na luz, Mundoca Baby. Nunca esqueça de rezar, nunca esqueça de tocar, de dançar e de chover. Bota goma e farinha e vai na feira vender. Todo mundo te esperando, todos querendo te ver. Bota teu pé na estrada, vai na roça, vai plantar, vai na roça, vai colher. Raimundo na pifarada, toca e bota pra moer.

Calé Alencar.
Músico, cantor e compositor. Produtor musical e cultural. Idealizador, autor e intérprete do Maracatu Nação Fortaleza.