OPINIÃO: O MUNDO DEU FÉ DE MESTRE ESPEDITO SELEIRO

5 de novembro de 2019 - 14:30

 

Certa vez, assistindo uma roda de saberes no Encontro Mestres do Mundo ao lado de Seu Espedito, ele me confidenciou: “Estes mestres têm tantos segredos e a gente não conhece nem a metade”. Pois bem, no filme “A sandália de Lampião” de Adriana Yañez, Antonio Lino e Paula Dib, Mestre Espedito nos revela um segredo: “Eu tinha assim, um aperto dentro de mim. Eu olhava assim pro céu e dizia: Meu Deus, será que ninguém vai dar fé deu? Porque eu sei fazer coisa. Tenho consciência que eu sei fazer peça de couro que ninguém nunca fez. Eu tinha isso dentro de mim.”

Mestre Espedito Seleiro é assim, um senhor tão bonito. Trás consigo sempre um sorriso largo e uma boa prosa. Tem sempre uma narrativa envolvente para compartilhar sobre sua vida sertaneja. Vida que nos remete ao ciclo do couro, dos tempos em que a pecuária e o povoamento avançaram por entre rios e veredas do sertão nordestino. Mestre Espedito é um senhor do sertão. Ele vive no sertão e o sertão vive dentro dele. O sertão é seu imaginário criativo e repertório para sua arte e ofício. É o que tem dentro dele e que o mundo deu fé.

E sua arte vem de tempos atrás. O avô e o pai de Mestre Espedito eram vaqueiros. Mas nas horas vagas das noites faziam sela, gibão, peitoral, perneira, chapéu, botas e as luvas para suas lidas com o gado. Até que seu avô recebeu uma encomenda para fazer umas alpergatas para o Capitão Virgulino e, tempos depois, seu pai para fazer o gibão de Luiz Gonzaga. Não foi a toa que Mestre Espedito se encontrou no ofício de seleiro.

Vendia suas peças nas feiras do Cariri. Até que um dia, surge outra encomenda. Alemberg Quindins da Fundação Casa Grande lhe pede para fazer uma sandália nos moldes de Lampião. E é aí que a história fica mais bonita. O que fez Mestre Espedito? Foi cavucar o tempo. No encalço dos saberes e fazeres de seu pai e de seu avô, encontrou os velhos moldes de papel desvelando o desenho e o modelo da sandália de Lampião. Eis o tesouro que recebeu em sua vida: a arte e o ofício de seu pai e avô. Com essa herança ele foi além. Mestre Espedito é um artesão popular e tradicional, mas também um artista contemporâneo que inventou seu próprio tempo e sua arte.

O resto da história o mundo conhece. Espedito Seleiro é mestre da cultura certificado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará; recebeu os títulos de Notório Saber pela UECE e UFC; foi condecorado com a Ordem do Mérito Cultural pelo Ministério da Cultura e Presidência da República em 2011; tem um Museu do Ciclo do Couro que leva seu nome; tem um ateliê e loja em Nova Olinda que geram emprego e renda na cidade, conectando sua arte e ofício com o mundo; vive expondo seu trabalho em museus de artes; estabeleceu parcerias de trabalho com grandes nomes do design; virou tema de pesquisas e de matérias para jornais, sites, televisões e livros.

Mestre Espedito ganhou reconhecimento internacional, mas nunca deixou a lida de seleiro. De artesão do couro, de mestre da cultura e de empreendedor. A gente chega em sua oficina e lá está ele: trabalhando com invetividade em seus traços arabescos do sertão; dominando com destreza a técnica do desenho e o manejo com as cores do couro; pilotando com os pés, mãos e olhos a máquina de costura num ritmo cadenciado de baião; atravessando o couro com uma maestria divina, transformando tudo em arte e em economia criativa; transmitindo seu saber para novas gerações. Tudo feito com coração, como ele mesmo diz. Por isso, em suas peças, tem sempre um coração de couro e de alma a pulsar para gente dar fé.

Fabiano dos Santos Piúba

Secretário da Cultura do Estado do Ceará

Fortaleza, 29 de outubro de 2019