Velório de Belchior reúne mais de 7 mil fãs, na tarde e noite desta segunda, 1/5, no Dragão do Mar

1 de maio de 2017 - 23:00

Foto: Luiz Alves/Divulgação/Dragão do Mar.


Mais de sete mil fãs se despediram do cantor e compositor cearense Belchior, na tarde e noite desta segunda-feira, 1º de maio, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, equipamento da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), após uma madrugada com show de homenagem ao artista no festival Maloca e velório em Sobral pela manhã, no Teatro São João. Carregando cartazes, discos e cantando as canções do ídolo, os fãs chegaram cedo no velório que aconteceu em Fortaleza. Muitos familiares e artistas cearenses compareceram para dar adeus ao ícone da música popular brasileira. O governador Camilo Santana e o secretário da Cultura do Estado do Ceará, Fabiano dos Santos Piúba, também estiveram presentes no Dragão do Mar.

As homenagens começaram logo cedo, quando o corpo do artista foi velado em Sobral, no Teatro São João, nesta manhã. O transporte do corpo de Belchior aconteceu pela tarde, quando o caminhão do Corpo de Bombeiros veio a Fortaleza passando, em sequência, pela Avenida Luciano Carneiro, Avenida Treze de Maio, Avenida Pontes Vieira, Avenida Desembargador Moreira e Avenida Abolição, até chegar ao Centro Cultural Dragão do Mar, onde aconteceu a segunda parte do velório aberto ao público.

“O Belchior é uma referência para todos nós cearenses. Ele foi um grande artista, um grande poeta, acima de tudo, que influenciou gerações. Essa homenagem a ele aqui no Dragão é especial. Aqui é o coração da cultura cearense, um local que representa a força e energia da cultura cearense. Não há nenhum espaço melhor do que esse para receber o nosso querido Belchior, que deixará uma grande marca para arte brasileira e latino-americana. Sua poesia influenciará ainda muitas gerações que virão. A poesia do Belchior trata de construir um mundo melhor. Ele queria um mundo de mais paz,liberdade, fraternidade e justiça”, destacou o governador Camilo Santana.

 

Artistas falam sobre Belchior

Além da grande presença de familiares, entre irmãos, primos, sobrinhos e o pai de Belchior, muitos artistas cearenses compareceram ao velório no Dragão do Mar. Eles falaram sobre lembranças e a força da obra do cantor e compositor sobralense.

“Era uma pessoa muito forte, resistente. O que ele sabia da vida transformava em poesia. A última vez que falei com ele foi há muito tempo, aqui no Dragão. Ele me encontrou no camarim do show que estava fazendo. Ele disse que tinha arranjado uma namora e que ia viajar. Tenho lembraça dele no Liceu. Éramos meninos do interior e nos encontrávamos ali. A gente era muito diferente e al mesmo tempo muito harmônico. Com a gente conversando às vezes uma terceira pessoa podia não entender”, ressaltou o compositor e amigo Fausto Nilo.

O ator e dramaturgo Ricardo Guilherme também falou sobre o compositor. “Belchior saiu de sua terra querida e agora volta pra restaurar em todos nós esse estado de poesia. É um poeta de uma geração que nos ensinou que ando o sonho acaba é preciso reinventar outro sonho”, declarou.

Haroldo Serra, da Comédia Cearense, aproveitou para falar da peça “Morro do Ouro”, para a qual Belchior criou as canções. Ela será apresentada em novo formato neste ano, em setembro. “Foi uma coincidência. Estamos remontando a peça que Belchior criou as canções e participou cantando em alguns momentos. Procuramos preservar a música e a memória dele. A peça será encenada no Theatro José de Alencar, onde ela foi criada na década de 70 e será como homenagem a ele”, revelou.

Já o cantor e compositor Pingo de Fortaleza  destacou a partida repentina de Belchior. “Fiquei trsite pela partida de Belchior, pela forma de como se deu, distante da gente fisicamente através dos shows, dos ensaios e encontros coletivo. Por outro lado, a gente reconhece neste artista uma grande pessoa, um grande criador, constatando que sua obra permanece. E permanece se renovando”, comentou.

Sávio Leão, compositor e cantor, falou também sobre o artista. “Na verdade o Belchior nunca sumiu pra mim, esteve sempre presente. Sempre tem alguém cantando sua música, apesar dessa ausência dele que foi um momento que escolheu. Eu posso afirmar com certeza que ele continuou produzindo muito. Diria que a obra dele no anonimato é maior do que a exposta. Ele estava cheio de sonhos. A obra dele é eterna. Podemos estar perdendo o corpo do artista, mas Belchior entra para a história como um dos maiores talentos da música”, assegurou.


Velório em Sobral


O povo de Sobral e da região norte se despediu de Belchior pela manhã, no Teatro São João. Recebidos em meio a músicas e fotos de momentos especiais da carreira do cantor e compositor, os fãs deram seu último adeus ao compositor que reinventou a canção popular brasileira.

O secretário da Cultura do Estado do Ceará, Fabiano dos Santos Piúba, participou da despedida, representando o governador Camilo Santana. Vários familiares de Belchior receberam as condolências e os sentimentos do povo.

“Belchior vive”: homenagens na madrugada desta segunda

“Belchior vive!”. Como disse a cantora Lorena Nunes, uma dos 19 intérpretes que participaram do grande show articulado rapidamente pela produção do Maloca Dragão após a notícia da despedida do grande compositor, o mestre segue entre nós. Na madrugada deste 1º de maio no Dragão, sob aplausos de uma enorme e comovida plateia, o autor de tantas obras-primas, reinventor da canção popular brasileira, recebeu a melhor homenagem possível: sua música recriada por grandes músicos cearenses de diferentes gerações.

Do contemporâneo e parceiro Rodger Rogério e dos grandes Lúcio Ricardo, Marcus Caffé, Chico Pio, Mona Gadelha e Humberto Pinho às jovens Nayra Costa, Lídia Maria, Soledad Brandão. De Fernando Catatau a Paula Tesser, de Erickson Mendes a Daniel Peixoto, de João do Crato a Rodrigo Ferreira, a Mulher Barbada. Vozes para canções que se tornaram eternas e que estarão, cada vez mais, renovando a presença de Belchior entre nós, dia a dia, e a força de sua obra no inconsciente coletivo brasileiro.

Toda a emoção incontida do momento, passadas apenas poucas horas do adeus dado ao grande mestre, foi acompanhada pelo cuidado, mas também pela ousadia, pela criatividade e pela variedade de timbres, dos arranjos de Claudio Mendes (guitarra, teclado, programações), ao lado de outros nomes de destaque da nova cena cearense: Netinho de Sá no contrabaixo, Igor Ribeiro na bateria, Thiago Rocha no sax e na flauta, Rafael Maia no piano. Como um convidado especialíssimo, o guitarrista Cristiano Pinho, com seu timbre e seu fraseado inconfundíveis e com seu slide emocionando o público em vários momentos.

Desde o início já após uma da madrugada de segunda-feira com Fernando Catatau entoando o Belchior cronista de “Pequeno perfil de um cidadão comum” e Erickson Mendes relembrando a magistral e provocativa “Conheço meu lugar”, com a simplicidade de seu violão e a presença de Moacir Bedê na flauta, ficou claro que a noite seria de entrega e intensidade. Também de suingue e energia, como no arranjo de “Medo de avião” para Daniel Peixoto, e no de “Velha roupa colorida” para Rodger Rogério brilhar e emocionar.

“Estamos aqui hoje para celebrar a passagem do Belchior para um lugar melhor do que o que a gente está. Fiz muitas canções com o Bel, umas sete ou oito. Mas fiz questão de cantar essa que sei direito, porque me vejo muito nessa letra. No momento que eu não souber vocês me ajudam”, disse, antes de recriar com muito ritmo e carisma a canção que foi gravada também por Elis Regina.

“Não sou feliz, mas não sou mudo”

O show então mergulhou no intimismo de uma versão de voz e piano, com Mona Gadelha e Rafael Maia, para “Galos, noites e quintais”, seguindo a atmosfera do disco “Praia Lírica”, lançado pela cantora cearense que se emocionou ao longo do domingo, ao relembrar os muitos papos por telefone com o compositor sobralense.

Retomando o ritmo, hora e vez de João do Crato ganhar muitos aplausos com sua interpretação marcante e seus falsetes ganhando o palco e o público com “Na hora do almoço”, entre reflexões sobre as opções de Belchior em “sair de cena” nos últimos anos e a do “cidadão comum”, aquele que sai do trabalho às seis com a “missão cumprida”. Qual dos dois vive a vida? Qual dos dois fica apenas com coisa parecida?

Tanto quanto João brilhou outro grande intérprete, Marcus Caffé, com a belíssima “Coração selvagem” em um arranjo que começa bluesy e cresce como balada, resumindo a vertente mais lírica do projeto poético de Belchior, a um tempo de amor e de libertação, na pressa de viver, naquilo que a alma deseja, no tempo para se apaixonar.

“Me sinto são e salvo e forte”

Também muito aplaudido foi o arranjo diferente criado por Claudio Mendes para “Sujeito de sorte”, com a voz suave de Paula Tesser brincando entre grooves de contrabaixo, frases de saxofone e acordes do hammond, tudo com muito suingue, crescendo com a canção. Entre viradas de bateria e novos timbres, “Apenas um rapaz latino-americano” também ganhou um arranjo diferente, para a interpretação de Soledad Brandão, que bradou, ao deixa o palco: “Viva o Beeel”. Viva!

Após Ricardo Guilherme entoar a capela “Madalena”, música inédita de Belchior, composta para a peça “Morro do Ouro”, sobre o universo das prostitutas, outro grande momento da noite: Lorena Nunes precisou recomeçar a canção, explicando estar emocionada demais, mas foi muito aplaudida ao final de uma releitura de simplicidade e muita intensidade para “Pequeno mapa do tempo”.

“Belchior vive. Nas canções já eternizadas e que vão continuar apresentando ao Brasil e ao mundo a riqueza da música do Ceará”, disse a cantora, antes de se entregar à interpretação de uma das mais belas obras do compositor. “Faca de ponta e meu punhal que corta e um fantasma escondido no porão”. “Eu tenho medo, estrela do norte, paixão, morte é certeza, medo Fortaleza, medo Ceará”. Muitos, muitos aplausos.

“Como é perversa a juventude do meu coração”

Parceiro de Mona nos tempos de Massafeira Livre, Lúcio Ricardo apresentou um arranjo mais intimista de “Paralelas”, com o violão de Erickson Mendes e com a guitarra de Cristiano Pinho fazendo a diferença, acentuando com o slide o lirismo e a carga dramática da canção.

Lídia Maria, por sua vez, contou com um dos arranjos mais diferenciados e aplaudidos da noite, com “Comentário a respeito de John” ganhando o riff de baixo que consagrou “Come together”, reforçando a referência ao ex-beatle e trazendo arejamento para a canção, entre uma levada funky e as programações de Claudio Mendes. Todo mundo cantou junto, assim como o clássico “Alucinação”, na voz de Rodrigo Ferreira, a Mulher Barbada, em um arranjo que foi da música eletrônica ao rap.

Palco então para os tarimbados Chico Pio (com “Mucuripe” ao violão, ladeado pela guitarra de Cristiano) e Humberto Pinho (com a eternamente jovem “Todo sujo de batom”, mais uma vez com Cristiano se destacando nos solos), antes dos jovens Nayra Costa (que arrebentou mesmo na tão recorrente “Como nossos pais”) e Daniel Groove fechar a noite convidando todos de volta ao palco, para com ele terminar de cantar “A palo seco”. “E eu quero é que este canto torto feito faca corte a carne de vocês”.

Entre muitos abraços, em meio ao mar de gente que tomou as ruas entre o Dragão e o Poço da Draga, a tristeza, a saudade, o vazio no peito, a admiração deixados Belchior não poderiam ter sido compartilhados de forma mais bela.