BELCHIOR 70 Anos — Entrevista especial com o cantor e compositor cearense Rodger Rogério
26 de outubro de 2016 - 11:34
Homenagem de Raisa Christina, integrante da equipe da Secult, a Belchior
Nesta quarta-feira, 26 de outubro, o cantor e compositor cearense BELCHIOR chega aos 70 anos. A Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) preparou uma entrevista especial com RODGER ROGÉRIO um dos artistas que foram mais próximos ao autor de “Apenas um rapaz latino-americano”, “Como nossos pais”, “Na hora do almoço”, “Alucinação”, “Paralelas”, entre tantos clássicos da música brasileira.
Parceiro de Belchior em canções como “Chão Sagrado”, que deu nome ao LP lançado em 1975 em parceria com a cantora Teti, Rodger Rogério compartilha com o público, na entrevista, recordações da convivência com Belchior na Fortaleza do final dos anos 60 e na São Paulo do início da década de 70. Foi na Avenida Consolação, no centro da metrópole, que Belchior cantou no ouvido de Rodger, caminhando pela rua, sua então mais nova composição, “Não leve flores”: “Não cante vitória muito cedo não, nem leve flores para a cova do inimigo”.
Na entrevista, Rodger Rogério fala sobre a simplicidade e a beleza da música de Belchior, sobre o impacto de suas letras (reconhecidas na cena cearense bem antes do sucesso nacional), sobre a convivência nos programas de TV no Ceará e na casa de Belchior em São Paulo, onde se entregaram ao desafio de compor nada menos que 12 canções por semana! E relativiza o rótulo de “engajado” que muitos tentam utilizar para definir o compositor Belchior. “Acho que é como foi com o Bob Dylan, nosso prêmio Nobel, que aliás Belchior era fãzão do Bob Dylan. É um rótulo que tentam colocar, mas ele não topou”, afirma Rodger.
CONFIRA A ENTREVISTA:
Pra começar, como é que você imagina que esteja Belchior, neste aniversário?
Rapaz… Ele… (pausa). Não sei, não dá pra saber. Mas ele é um doido bom, né? É um doido bom, assim. Quando ele deixou a Faculdade de Medicina, que a família achava que ele tava fazendo uma grande loucura, ele tava indo alcançar o estrelato. Por outro lado, ele tentou muito negócio de espiritualidade. Foi seminarista. Lia muito. Era um bom leitor, o Belchior. Era não, deve ser ainda. Deve estar fazendo alguma coisa voltada à leitura, à espiritualidade. Ninguém sabe, mas talvez uma coisa espiritual, que ele é muito ligado. Acho que sim.
Você lembra de festas de aniversário anteriores dele? Como é que ele reagia a esse tipo de comemoração, efeméride, datas marcantes pessoais ou da carreira?
Não, não lembro nenhuma festa específica não. Lembro que festa, a gente tinha, de certa maneira, mas não de aniversário. Lembro de algumas festas como Natal, Ano Novo, quando a gente tava em São Paulo, teve algumas passagens dessas bem interessantes. Mas aniversário mesmo não lembro de a gente ter comemorado não.
Como ele reagia sobre a passagem do tempo, sobre envelhecer…
Ele falava muito do contrário, falava muito em juventude. Na obra dele. Nas músicas. Falava muito em ser jovem. “O dedo em “V”, cabelo ao vento”… De namorar no cinema, né? Coisas da juventude da década de 60.
Você já declarou certa vez que os artistas da sua geração, ainda antes de sair de Fortaleza para buscar espaço em outros estados, achavam as músicas do Belchior bem simples, muito simples, em relação ao que vocês estavam buscando ou fazendo na época, naquele afã de ser compositor, de ousar, experimentar. Como era isso?
É, e realmente são simples. Mas são bonitas, né? São simples, em termos de estrutura harmônica, esse negócio. Mas são músicas muito bonitas. Ele é um excelente melodista!
Enquanto você e outros buscavam mais um apuro harmônico? Traziam uma influência da bossa nova…
Eu e o Petrúcio tínhamos isso, essa influência da bossa nova. Mas, por exemplo, Ednardo, Fagner não tinham essa curiosidade, essa queda assim pra bossa nova, como ele também não… Quer dizer, era outra música. Era mais música nordestina e música mais jovem mesmo, do rock ´n´ roll. Belchior compunha era muito baião, sabe? Muita coisa que ele deu uma roupagem de rock depois, originalmente era meio baião, meio toada.
E depois os arranjos eram modificados, nas gravações?
É, mudavam. Não a estrutura, a harmonia e tal, mas mudavaa pegada. Com certeza coisa dos próprios músicos que o acompanhavam também.
Você lembra de alguma música dele que já existia quando vocês ainda estavam em Fortaleza e que depois passou por essa mudança?
Não, as que tinham em Fortaleza não mudaram muito não. As de São Paulo, as que estouraram, as mais novas, aí sim. “Não leve flores pra cova do inimigo”… Eu lembro a gente andando na (avenida) Consolação e ele cantando no meu ouvido, sem acompanhamento sem nada, me mostrando essa música nova que ele tinha feito. Era puxada pra baião. Quando eu vi gravada, não era mais baião, era outra coisa. A mesma música, não tinha diferença. Ele me mostrou essa música cantando no meu ouvido, andando na Consolação.
Voltando um pouco, como foi que vocês se conheceram, ainda em Fortaleza?
Nos conhecemos mais amiúde na TV Ceará, Canal 2, naqueles programas “Porque Hoje é Sábado”e “Show do Mercantil”, que a gente fazia desde o início. Eu o vi pela primeira vez, ele era professor do Colégio Santo Inácio, de Biologia, acho, que ele era estudante de Medicina. E ele fez promover um festival de música lá, e fui convidado pra ser do júri. E fui. Acho que o conheci lá, mas sem ser apresentado. Depois a gente se entrosou mesmo foi lá na TV Ceará Canal 2 e no (Bar do ) Anísio, que toda vida quando terminava o programa a gente partia pro Anísio, e quase que diariamente a gente se encontrava lá. Ali tipo 68, 69, por ali…
Ele já chamava atenção pelas composições nessa época?
Já, já chamava atenção. Letras lindas que ele fazia. Chegou numa época e começou a fazer música com o Petrúcio (Maia) e com o (Raimundo) Fagner, ainda antes de sair de Fortaleza. Antes do “Mucuripe” mesmo (parceria entre Belchior e Fagner). “Noves fora nada”, aquela música… (cita “Noves fora”, outra parceria entre Belchior e Fagner). Com o Petrúcio tem “Incêndio”.
E como foi a convivência de vocês e dos demais cearenses em São Paulo, na casa do Belchior, que acabou se tornando um ponto importante de apoio e de encontro para os artistas?
Eu passei alguns dias na casa do Belchior em São Paulo. Quando cheguei lá, em 72, fui pra casa dele. Ele tava no Rio, eu encontrei com ele no Rio, e ele me ofereceu a chave da casa dele em São Paulo. Eu levei a chave e fui sozinho, fiquei lá até alugar um apartamento mesmo em frente à casa dele, na Oscar Freire. Aí virou a embaixada do Ceará, a região ali. O Fausto (Nilo) foi pouco nesse momento, porque ele ia mais pro Rio, mas na segunda vez que fui pra São Paulo o Fausto ia muito, acho que até chegou a morar. Mas nessa primeira vez eu fiquei na casa do Belchior uns dias sozinho, aí encontrei o apartamento em frente à casa dele, fui alugando… Depois ele chegou. Depois chegou a Teti (cantora e então esposa de Rodger) com a Daniela (filha de Rodger e Teti). Ainda dormimos alguns dias na casa do Belchior. Aliás, quando a Teti saiu da maternidade, pro Pedão nascer (Pedro Rogério, segundo filho de Rodger e Teti, hoje também músico e professor), a gente saiu da casa do Belchior pra maternidade. Na volta é que eu já tinha alugado o apartamento. Que loucura!
Foi por essa época que vocês encararam o desafio de fazer várias músicas toda semana, pra um programa de TV, sobre a vida do entrevistado de cada semana?
É , foi nessa época que a gente fez o programa “Proposta”, da TV Cultura de São Paulo, do Jaime Lerner, produtor e apresentador. Era uma produção muito grande! A gente ficava nervoso, era loucura! Tinha que compor 12 músicas por semana. Era fogo! Musicazinhas curtinhas, mas era fogo, de acordo com a vida do entrevistado. Das que foram gravadas, dessas do programa, ficaram “Ingazeiras”, do Ednardo, “Chão sagrado”, minha e do Belchior. Eu tenho outras com o Belchior, dessa época. Nunca gravei, mas pretendo um dia gravar, pelo menos registrar. Dessa época do programa, a maioria esqueci, mas tem muitas músicas que ainda lembro. Como “Proposta”, a música -tema do programa, e outra, que acho que se chamava “Comunicação total”, uma coisa assim.
Em 1971 sai o primeiro compacto dele, com “Na Hora do Almoço”, com ele apenas no lado A. Qual era a atitude dele nesse momento? Havia muita ansiedade em gravar, chegar ao disco, à indústria, fazer sucesso, ou ele compreendia isso como um processo, com mais calma?
Foi uma sacanagem que fizeram ali, com o compacto, eu acho. Uma sacanagem com o Belchior. Fizeram um disco compacto simples dele só com um lado, e no lado B outra pessoa (o compositor Osny, com a marchinha “Quem me dera”). Agora, essa questão de gravar, essa ansiedade, ele esperava por isso, com certeza. Mas aí, quando ele começou a subir, foi a época que eu vim embora (para Fortaleza). Aí convivi pouco com ele. Fiquei até 76, por ali…
Depois do “Alucinação”, então?
É, exatamente. Eu voltei em definitivo. Depois do “Chão Sagrado” (disco lançado em 1975 por Rodger e Teti, destacando como faixa-título essa parceria entre Rodger e Belchior), ainda fiquei um pouco em São Paulo. O nome do disco nem fui eu que resolvi, foi mais o Walter Silva. Acho que foi sugestão dele, porque remetia ao Ceará, ao Nordeste. Em 76 vim embora, não sei se mais pro começo ou pro fim do ano. Mas lembro muito o primeiro grande show dele em São Paulo, eu tava lá. Foi no Teatro Aquarius. O teatro lotou! Eu fiquei impressionado com a força que ele tava. Depois do primeiro disco, que não aconteceu muito, as gravações da Elis, que já tinha cantado “Mucuripe” e “Noves fora” e gravou “Velha roupa colorida” e “Como nossos pais”, puxaram. O “Alucinação” puxou.
E já de volta a Fortaleza, como passou a ser a convivência de vocês? Vocês tiveram poucos shows juntos, ou participações em shows.
A gente se encontrava só quando ele vinha fazer show, ou algo. Quando a gente se encontrava era uma festa! Fizemos poucos shows juntos, mas fizemos alguns. Na Praça do Ferreira uma vez, no aniversário de Fortaleza. E antes no Massafeira, em 79, que foi muito importante.
Nas várias comemorações, nos lançamentos, debates, que têm acontecido por conta desses 70 anos, o lado mais engajado da obra do Belchior tem sido bastante destacado. Você avalia que ele seria o compositor mais engajado, entre os cearenses daquela geração? Ou essa é uma “velha roupa colorida” que ele não vestiria? “O passado é uma roupa que não nos serve mais”…
Não, acho que não. Ele mesmo não via assim não. Eu também não vejo assim. Ele não é um compositor do “meu amor foi, meu amor voltou”. Ele é mais um compositor do que pensa e sente. E isso se traduz no que ele faz, né? Mas um engajamento político mesmo não… Tinha algumas coisas, como todo mundo, mas nas não vejo assim como o mais engajado não. Acho que é como foi com o Bob Dylan, nosso prêmio Nobel, que aliás Belchior era fãzão do Bob Dylan. É um rótulo que tentam colocar, mas ele não topou.