Escola de Artes e Ofícios: oito anos de educação, cultura, história e sociabilidade

30 de maio de 2014 - 09:18

Local de formação profissional em restauração e conservação do patrimônio cultural do Ceará, a Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho completa oito anos de reinauguração em maio de 2014 agregando outras importantes funções. Sendo uma escola, é espaço essencialmente de aprendizado, seja pelos cursos que oferece ou pela história do próprio prédio, uma história que dialoga não só com o bairro Jacarecanga, onde está instalada, mas com toda a cidade de Fortaleza. É também um lugar de sociabilidade, promovendo encontros entre os jovens para além do tempo de duração dos cursos e acolhendo crianças e adolescentes nos diferentes espaços do equipamento, vinculado à Secretaria da Cultura do Estado e sob gestão do Instituto Dragão do Mar.

Mais do que formar jovens para o mercado de trabalho na área de restauração e conservação, a Escola de Artes e Ofícios pretende fortalecer as características de equipamento cultural e a relação com a população de um modo geral, estimulando cada vez mais as visitas ao local, independente de faixa etária. “Fortaleza, até por ser uma cidade turística, tem que atender a vários públicos”, argumenta a coordenadora geral Marley Uchôa. A Escola está aberta a visitação, de segunda a sexta-feira, das 8 às 12 horas e das 13h30min às 17h30min. Para grupos, em visitas guiadas, é necessário agendamento prévio. Os visitantes vão se deparar com surpresas e curiosidades de um passado recente, mas que já parece tão distante.

Na arquitetura, nos móveis, recipientes, utensílios ou acessórios, a casa construída em 1929 preserva muito da originalidade, como os lavatórios trazidos da Inglaterra, os azulejos vindos de Portugal, o porão e o sótão, mas os espaços foram adaptados para constituírem mesmo um equipamento cultural e escola. As antigas garagens dos carros, por exemplo, hoje servem como ateliês para estudo e criação artística.

No porão, sob agradável som ambiente, o visitante vai encontrar uma bela exposição fotográfica. O inusitado do espaço, por si só, já merece a visita. Ali, é possível tatear facilmente um teto de trilhos sobre os quais o prédio foi erguido e que vira piso para o primeiro dos três pavimentos. “A casa toda está sobre trilhos. Era a arquitetura da época”, observa a coordenadora pedagógica Francineide Chaves.

Na sala principal ou salão nobre, estão expostos dez trabalhos selecionados para o III Salão da Gravura, entre eles obras de jovens artistas que foram alunos da Escola. A presença do trabalho de ex-alunos pode ser notada em outros espaços da casa, onde foram feitos a higienização e o restauro de detalhes originais da pintura, com a devida orientação dos professores.

Salas de aula, ateliês, ilha digital com computadores conectados à internet, além de uma biblioteca com mais de 1.500 livros para consulta local, formam o conjunto de espaços onde são realizadas as atividades de formação ou que funcionam como suporte para o desenvolvimento delas, alguns podendo também ser aproveitados por toda a comunidade. O ateliê de xilogravura atende aos alunos inscritos para o curso e também a qualquer pessoa interessada em fazer as impressões. A ilha digital disponibiliza pesquisa sob supervisão de um profissional e serviços de digitalização também para o público externo.

O aprazível jardim da casa, no amplo quintal utilizado pelos Pompeu Sobrinho, onde ainda está preservado um sapotizeiro da época em que o local era ocupado pela família, é um bom exemplo de uso pela comunidade de um espaço cuja função seria apenas compor a paisagem. O cenário tem servido como campinho de futebol para as crianças do entorno. “Aqui, como nos outros espaços, os frequentadores se preocupam em manter preservado”, observa a coordenadora pedagógica.

“Queremos que as crianças venham, se interessem pelo lugar e participem das atividades”, diz a coordenadora geral. “Como a Escola está inserida no bairro, a comunidade tem de se apropriar do equipamento”, reforça a coordenadora pedagógica. Nada melhor do que a percepção de quem já foi aluno e hoje virou professor do equipamento. “Os alunos querem voltar pra cá”, observa Antonio Vieira, ele mesmo um deles.

Morador do bairro Jacarecanga, frequentador da casa de Thomaz Pompeu Sobrinho desde criança, Antonio Vieira foi aluno do curso de conservação de acervos museológicos e hoje é professor da Escola, tendo lecionado nos cursos de conservação, restauração, organização e catalogação de acervos museológicos, aperfeiçoamento em contexto de trabalho e em laboratórios de conservação e restauração de telas, esculturas em gesso e madeira, além de bens iconográficos. Um dos locais que Antonio usa para dar aulas é o cemitério do próprio bairro, onde explora a arte tumular representada em obras relevantes de artistas famosos. “No São João Batista, tem trabalhos de um dos mais importantes canteiros portugueses, Germano José de Sales (1867-1875)”, exemplifica, referindo-se à cantaria, arte de trabalhar em pedra, e a um dos mais expressivos canteiros portugueses.

Com o nome de um dos principais escritores e oradores sacros do barroco brasileiro, também nascido em Portugal, o Antonio Vieira genuinamente fortalezense sempre se interessou pelas artes e foi estimulado, a partir do convívio na Escola de Artes e Ofícios, a fazer licenciatura em Artes Visuais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE).

Da arte de restaurar e conservar

A principal proposta da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho é a formação profissional, com base em restauração e conservação do patrimônio cultural material e imaterial. Com duração de 120 a 300 horas, os cursos têm uma etapa inicial de aulas teóricas seguida de uma segunda fase de aprofundamento, aperfeiçoamento e estágio. As vagas são preenchidas após um processo seletivo aberto pela Escola. As turmas comportam até 20 alunos de 18 a 29 anos, com a flexibilidade de aceitar como ouvintes pessoas em faixa etária diferente.

Os principais aspectos considerados na avaliação dos candidatos são o nível de interesse e as motivações apresentadas para inscrição no curso, a habilidade artística e a desenvoltura na escrita. Os aprovados passam a ter aulas de até quatro horas por dia, pela manhã ou à tarde, de segunda a sexta-feira, a depender da carga horária do curso. Em oito anos, a Escola ofertou cerca de 300 cursos e oficinas, formando 6.411 pessoas.

No Curso de Restauro de Edificações Históricas e Artísticas, os alunos aprendem sobre marcenaria, alvenaria, pinturas parietais – feitas diretamente sobre a parede. A Escola começou oferecendo o Curso de Restauração e Conservação de Bens Móveis e ampliou para o Curso de Restauração e Conservação de Bens Móveis Integrados, que compreende, além do prédio, peças de mobiliário, utensílios, esculturas, objetos… No Curso de Conservação, Restauração e Organização de Acervos Museológicos, os alunos aprendem a aplicar técnicas de higienização e reintegração do suporte em obras de papel, entre outros aprendizados.

Desde que foi reinaugurada em 15 de maio de 2006, com a implantação da primeira turma do Curso de Restauro de Edificações Históricas e Artísticas, a Escola de Artes e Ofícios foi ampliando o leque de possibilidades de formação para além da restauração e conservação, incluindo outros cursos e oficinas – em xilogravura, gravura em metal, arte em papel, encadernação de papel, papel artesanal, desenho, bordado…

Para 2014, a Escola está contemplando no projeto pedagógico a oferta de cursos na perspectiva da produção de artefatos em madeira, cerâmica, couro, bordado e xilogravura, visando subsidiar lojas especializadas em produtos desta natureza, além dos cursos de conservação e restauração de acervos museológicos e aperfeiçoamento em contexto de trabalho. Mesmo aberto a novas tecnologias, o equipamento se volta mais para a artesania. “Nosso interesse maior é pelo clássico, o passado, a história. Queremos que a Escola seja um ponto de cultura para contar a história de Fortaleza”, observa a coordenadora geral da casa Marley Uchôa.

Nos cursos de aperfeiçoamento em contexto de trabalho, que buscam aprimorar conhecimentos adquiridos em cursos anteriores, os selecionados recebem uma bolsa. Para os demais cursos, os alunos ganham uniforme, vale transporte, lanche e todo o material pedagógico necessário.

Os equipamentos culturais em Fortaleza mantidos pelo Governo do Estado ou por outros entes, públicos ou privados, servem como campo de estágio para os alunos dos cursos oferecidos na Escola de Artes e Ofícios, já tendo eles realizado trabalhos supervisionados no Sobrado Dr. José Lourenço, Museu do Ceará, Arquivo Público do Ceará, Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel e Teatro São José. Em laboratórios sob orientação dos professores, os alunos que passaram pelos cursos da Escola já tiveram a oportunidade de aplicar as técnicas de higienização, restauração e conservação em obras de expoentes das artes no Ceará, como as telas da artista plástica Sinhá D’Amora (1906-2002) e a escultura do escritor Gustavo Barroso (1888-1957), situada na praça de mesmo nome, popularmente conhecida por Praça do Liceu.

 

De residência a equipamento cultural

Localizada na Avenida Francisco Sá, 1801, no bairro Jacarecanga, a casa que abriga a Escola de Artes e Ofícios foi erguida numa época em que o bairro ainda se chamava Fernandes Vieira. Trata-se de um imóvel exemplar em Fortaleza da arquitetura art noveau, construído em 1929 para a ser residência do engenheiro Thomaz Pompeu Sobrinho, que morou no local até o falecimento, aos 87 anos, em 9 de novembro de 1967. Mesmo sendo pai de filho único, José Pompeu de Sousa Brasil, o proprietário chegou a abrigar sob o mesmo teto, entre parentes e empregados, cerca de 30 pessoas. Todos devidamente acomodados, dadas as proporções do imóvel – 825,50 metros quadrados de uma área total de 2.147,84 metros quadrados. Com 36 cômodos, 15 quartos, três salas, um porão e um mirante, a casa era o edificio mais alto do bairro quando foi erguida.

Depois que o imóvel deixou de ser residência da família Pompeu Sobrinho, surgiu a possibilidade de apropriação pela especulação imobiliária e o consequente risco de demolição para dar lugar a mais um grande prédio de apartamentos, a exemplo dos edifícios construídos ali em frente, que só deixam ver uma pequena porção de mar e, assim mesmo, se o visitante subir até o mirante do imóvel de três andares. Após a mobilização da associação de moradores do bairro para que o local fosse preservado, o Governo do Estado adquiriu a casa, que foi restaurada em 2001, inaugurada no dia 18 de dezembro de 2002 como Centro de Restauro do Ceará e Escola de Artes e Ofícios e reinaugurada em 15 de maio de 2006 como Escola de Artes e Oficios, servindo desde então como equipamento cultural da cidade.

O primeiro dono: dotes materiais e intelectuais

Cópias de fotografias da família Pompeu Sobrinho, a árvore genealógica artisticamente bordada e um birô e uma cadeira que, provavelmente, teriam sido utilizados pelo proprietário da casa estão reunidos em um dos espaços da Escola de Artes e Ofícios como uma homenagem ao primeiro ocupante do lugar. É uma singela demonstração da grande admiração que ele desperta.

A visita ao palacete de Thomaz Pompeu Sobrinho é também o encontro com a história de um homem da elite de Fortaleza no início do século XX e de um intelectual. Além de engenheiro formado na Escola de Minas de Outro Preto, depois dos estudos preparatórios no Liceu do Ceará, ele foi geógrafo, etnólogo e historiador, ainda hoje referência em assuntos sobre o Nordeste, tendo sido pioneiro dos estudos sociológicos acerca dos problemas que afligiam – e ainda afligem – a região.

Um catálogo – Mapa do Ceará, organizado por Thomaz Pompeu Sobrinho – e dois livros – História das secas: século XX e Sesmarias cearenses – encontrados na Biblioteca Nacional, além da relação de cargos que ele ocupou, revelam da envergadura intelectual que tinha. Foi diretor da Escola Prática de Agricultura, nomeado engenheiro de primeira classe quando trabalhou no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, diretor do Instituto de Antropologia da Universidade Federal do Ceará e presidente de honra da Academia Cearense de Letras.

Patrimônio para todos

Noções de educação patrimonial, antropologia, mídias e produção textual em uma capacitação de 100 horas. A Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho oferece o Curso de Educação Patrimonial desde 2009 para interessados de Fortaleza e do interior do Ceará. A formação consiste na realização de módulos de aulas complementares entre si que permitem um nivelamento e ampliação dos conhecimentos e habilidades entre aqueles que seriam mediadores do processo de construção do conhecimento e registro dos bens culturais locais. A capacitação objetiva desenvolver habilidades relacionadas à prática da educação patrimonial, ao uso de novas tecnologias (mídias móveis) no registro dos bens culturais, a trabalhar conceitos básicos de linguagem audiovisual aplicada ao patrimônio cultural, a perceber a importância do uso das imagens na pesquisa antropológica, bem como desenvolver competências ligadas a comunicação, mediação e registro dos bens culturais.

Uma oportunidade para jovens entre 15 e 25 anos conhecerem, registrarem, publicarem e compartilharem os saberes sobre o patrimônio cultural das cidades, a capacitação faz parte do projeto Patrimônio para todos – uma aventura através das memórias, que identificou em sua quinta edição, com a temática “cultura das águas”, 212 bens culturais  entre guardiães da memória, histórias e lendas, lugares de memória, manifestações culturais, rituais e festas religiosas, saberes, ofícios e modos de fazeres. A experiência mais recente do projeto Patrimonio para todos foi registrada pelo fotógrafo Jackson Antunes, cujas imagens estão montadas em exposição no espaço onde fica o porão da Escola de Artes e Ofícios. Ali estão fotografias feitas em Acaraú, Fortim, Fortaleza, General Sampaio, Jaguaribe, Pentecoste e Sobral. A exposição tambem reúne registros audiovisuais resultantes das 26 oficinas de educação patrimonial realizadas nos municípios.

 

Serviço
Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho
Avenida Francisco Sá, 1801 – Jacarecanga
http://www.facebook.com/earteseoficios

Funcionamento
Segunda a sexta-feira – 8 às 12h e 13h30min às 17h

Informações e agendamento de visitas
(85) 3238.1244

Visitas guiadas
Terça a sexta – 9 às 11h e 14h30min às 1630min

Assessoria de Comunicação – Secretaria da Cultura do Ceará
(85) 8699.6524 Dalwton Moura
(85) 8878.8805 Raimundo Madeira
(85) 9608.5822
Sonara Capaverde
Foto: Felipe Abud
(85) 3101.6761

imprensa@secult.ce.gov.br

situada na praça de mesmo nome, popularmente conhecida por Praça do Liceu