Jornal O Povo – 25/02/1969

28 de dezembro de 2012 - 16:12

Quando da última reunião, no Rio de Janeiro, dos Conselhos Estaduais de Cultura, sob os auspícios do Conselho Federal de Cultura, foi votada no plenário por unanimidade e com aplausos calorosos a moção do Conselheiro Dr. Artur César Ferreira Reis, hoje presidente daquele conselho Federal elogiando o Estado do Ceará por ter criado, pioneiramente, a Secretaria de Cultura. Estava ali, pode dizer-se, o que mais representava a Cultura dos Estados, no terreno da pública administração, e só deste fato já constitui excelente apoio à criação da citada Pasta, indiscutivelmente um passo muito seguro no tocante ao estímulo e desenvolvimento das atividades culturais em nosso País.

Não, é preciso ter exagerado sensibilidade e excepcional grau de maturação e de boas idéias para aceitar atitude corajosa do Governo do Ceará de incluir no âmbito de seus vários setores administrativos outro que se encarregasse dos assuntos relacionados com a Cultura, esta no seu sentido de aprimoramento da capacidade criadora do Homem, realizando as grandes obras, o trabalho de superior elaboração da inteligência.

A idéia sempre latente em nossos meios intelectuais, despontou em 1942 quando o Dr. Raimundo Girão apresentou ao I Congresso de Escritores uma indicação que sugeria a necessidade de criar-se uma Secretaria de Cultura, certo como era acirrar-se o poder público estadual inteiramente alheio as condições intelectuais. “Continuaram a deixar ao estiolamento a energia criadora em vez de mudá-la em riqueza da inteligência. Já é tempo de convencer que os olhos do governo que não puderam ver” – assim argumentava o autor da indicação aplaudida e votada unanimemente. Veio à sugestão só muito tarde refletir e coube ao então candidato ao Governador, Dr. Plácido Aderaldo Castelo, dar ênfase ao que pretendiam os homens de pensamento, os que não reduzem a essência de sua vida aos interesse e gozos matérias e os que desatentos de melhores informações ou sujeitos a idéias preconcebidas acham que o espírito não deva ser cultivado só porque o corpo esteja passando fome.

O governador Virgilio Távora tão solícito e clarividente, sensibilizado com o argumento, lhe apresentou o Prof. Mozart Soriano Aderaldo, então na Assessoria Técnica do Governo, não hesitou antes de deixar o seu posto, em mandar à Assembléia Legislativa projeto de lei que criava a Secretaria indispensável, e assim teve oportunidade de sancionar o diploma legislativo número 8.541, datado de 9 de agosto de 1966, segundo qual se bipartia a então Secretaria de Educação e Cultura, e se dava à nova Pasta a estrutura desejada.

Sem demora, o novo governo Plácido Castelo completou essa estruturação e pô-la em funcionamento, convencido de sua utilidade, por si evidente e certo de que, a um só tempo de um lado aliviava a Secretaria de Educação de encargos dos quais ela nunca pudera cuidar com eficiência, ou sequer com a mais elementar atenção, e de outro fornecia elementos de revigoração e de produtividade a órgãos de natureza cultural quase abandonados, péssimos alojados e profundamente deteriorados, tais como Biblioteca Pública, cujo rico acervo tendia a desaparecer pela ação do cupim, da traça, do roubo e das goteiras; o Arquivo Público, que se encontrava em situação ainda pior; Museu Histórico e Antropológico, que somente sobreviveria porque confiada a sua administração, em virtude de convênio, ao Instituto do Ceará; o Theatro José de Alencar, para cuja conservação não se entregava o mais mínimo adiantamento de numerário.

Convencia-se, também, o novo Governador da imperiosa necessidade de contribuir o Estado para o desenvolvimento das atividades culturais que a Universidade do Ceará dava os melhores cuidados, enquanto na área estadual essas atividades permaneciam em ponto morto. Bem sabia o Dr. Plácido Castelo que povo sem cultura mais aprimorada é povo que tem valia e tende cada vez mais a diminuir-se no conceito geral das nações, cada qual mais ardorosa no seu progresso material e espiritual.

E tudo isso poderia conseguir-se sem maior sacrifício para o Tesouro do Estado, pois somados afinal os gastos da nova Secretaria para movimentação de seu pessoal e do trabalho burocrático se verificava, então, que seu orçamento total era MENOR QUE 1% (UM POR CENTO) do Orçamento Estadual. E ainda deve ser levado em conta que nesse momento se concluíam as despesas de material e pessoal dos órgãos já existentes (Biblioteca, Arquivo, Museu, Teatro José de Alencar), que de quaisquer forma seriam despesas se continuassem atreladas à Secretaria de Educação. E no corrente exercício financeiro a despesa da Secretaria de Cultura representa apenas 2,5% (dois e meio por cento) da Despesa Orçamentária, distribuição em Despesa de Custeio (Pessoal e Material) e Despesas de Capital (Investimento). Frise-se ainda que a Secretaria de Cultura não dispõe de pessoal contratado e nem de quadro de obras.

Na verdade, o que acresceu de despesa com o pagamento do Gabinete do Secretário e dos Diretores de Departamento da nova Secretaria, todos cargos em comissão, é DIMINUTO em face dos ótimos resultados obtidos da concretização da idéia sugerida em 1942 pelo escritor Raimundo Girão. Mas a Secretaria de Cultura não deve ser olhada como simples administradora de órgãos culturais como os já referidos – Biblioteca, Arquivo, Museu, Teatro, Casa de Juvenal Galeno etc., e sim pelo seu aspecto de órgão de estímulo e de difusão da Cultura. Cultura, em boa definição, são as Ciências, as Artes e Literatura; que formam o conteúdo espiritual das gentes adiantadas. “Um povo que descuida de seu patrimônio literário é um povo que se converte em bárbaro, pois que, se assim procede, paralisa o seu pensamento e a sua sensibilidade” – são palavras de T.S. Eliot, notável poeta inglês, detentor de Prêmio Nobel.

Se o pão do estômago é urgente, também imprescindível ao homem que se diz civilizado é o pão do cérebro. Negá-lo, sob pretextos ingênuos ou maldosos, de que não se deve pensar em Cultura porque não se tem o que comer, é jogar com as palavras sem qualquer sentido substancial, é usar delas só para dizer…

Daí porque ao estruturar-se a Secretaria, houve o máximo cuidado de torná-la apta, dentro das forças financeiras do Estado à elaboração de um processo bem urdido de fomento e divulgação da Cultura cearense, a Cultura de um Estado que, realmente, tem muita responsabilidade no complexo cultural brasileiro pelo valor de seus escritores, dos seus cientistas, dos seus artistas dos seus intelectuais.

Seria, será mesmo preciso fazer das fraquezas força, qualquer que seja o sacrifício para não deslustrar esta nossa posição vantajosa. E o meio mais seguro e eficaz de alcançá-lo é coordenar e dirigir firmemente as nossas energias morais e intelectuais, dando-lhe condições, pelo menos as mínimas, para a plena realização dos seus superiores objetivos.