Bienal Internacional do Livro do Ceará: Mesa “Disputando a língua dos palcos: transgeneridade em cena” propõe novos passados para construir diferentes futuros
10 de abril de 2025 - 12:22 #Eventos Estruturantes #Transgeneridade #XV Bienal Internacional do Livro do Ceará
A XV Bienal Internacional do Livro do Ceará traz como tema “Das fogueiras ao fogo das palavras: mulheres, resistência e literatura”. É um evento organizado pelo Ministério da Cultura (MinC) e pela Secretaria da Cultura do Ceará (Secult Ceará), e propõe relacionar a literatura, e mais amplamente a cultura, com a resistência feminina. É nesse contexto que o evento traz a mesa “Disputando a língua dos palcos: transgeneridade em cena”, com Helena Vieira, pesquisadora, atriz, transfeminista e mulher trans, colunista da revista Cult e pesquisadora da Universidade de São Paulo; Verónica Valenttino, atriz, cantora, compositora e travesti, premiada com o prêmio Shell de Melhor Atriz pelo papel principal em “Brenda Lee e o Palácio das Princesas”; e mediação de Aires, produtora e gestora cultural, formada em Teatro pela Universidade Federal do Ceará, criadora do programa Trair o CIStema no Museu da Imagem e do Som do Ceará, equipamento cultural da Secult.
Aires começou a conversa colocando em pauta a inegável e trágica estatística divulgada no fim de janeiro pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais, que aponta o Ceará como o terceiro estado que mais matou sua população trans durante o ano de 2024 (sendo o Brasil o país que mais mata pessoas trans). Helena aponta duas razões para o corpo travesti ser “matável” para a sociedade, dois riscos que esse corpo oferece ao espaço público. “O primeiro é o de confundir a ordem do desejo heterossexual, o regime político da heterossexualidade. O segundo é que ele nos lembra da característica efêmera do próprio gênero, que o gênero não é natural. Você não é homem ou mulher de verdade, você gosta de ser homem de mulher. Pondo em risco dois ordenamentos fundamentais do poder no espaço público, a heterossexualidade e a naturalidade do gênero, esse corpo é muito perigoso. Ele é perigoso porque confunde estruturas que estruturam o poder.”
A cultura, e a cena, se apresentam então como uma forma de “reordenar o espaço público para que o corpo trans e travesti possa existir. Para que essas relações de poder sejam desordenadas, eu preciso produzir outras imagens, outros discursos, afirmar outros modos de vida.” São esses outros modos de vida que as membras da banca se propõem a construir, cada uma da sua forma, com seus trabalhos. Em sua mais famosa obra, Verónica encarna a figura histórica real de Brenda Lee, travesti nordestina que, durante a epidemia de AIDS nos anos 1980, transformou por completo a casa onde morava em São Paulo num hospital para acolher travestis e mulheres trans soropositivas que eram rejeitadas por hospitais tradicionais. Verónica apontou que Brenda “abre um novo imaginário de travestilidade e de afeto para aquela região. A casa dela era conhecida como Palácio das Bruxas, e ela colocou esse nome de Palácio das Princesas pra justamente recriar esse imaginário, essas travestis, que precisavam ser cuidadas.”
Mas as artistas não estão contentes apenas em redescobrir histórias vergonhosamente contadas. Helena é criadora e protagonista de “Jango Jezebel: Onde Estavam as Travestis na Ditadura?”, espetáculo que reimagina João Goulart como uma travesti chamada Jezebel, e o estopim do golpe militar como uma rejeição militar a ser governados por uma travesti. “A arte nos permite aquilo que Saidiya Hartman chama de “fabulação crítica”, que é não só a ficção científica como esse fazer do futuro, mas uma reelaboração radical de passados. E se o mundo tivesse sido construído sobre outros valores? Se outros eventos tivessem acontecido de outras maneiras? Essa é uma potência que nós temos que exercitar, tanto no visitar o passado quanto nas nossas formas de elaborar o futuro”
É essa reelaboração que parece atrair as artistas para o teatro, para a cultura, para esse mundo onde as pessoas trans e travestis podem construir outros mundos. Como Aires apontou, “a prática artística se coloca como esse lugar de possibilidade de desvio dessa narrativa. Tô cansada de falar de morte, quero falar sobre vida, sabe? E eu acho que a arte é a possibilidade de nascer de novo, de se recriar, de se transmutar.”
A Bienal Internacional do Livro do Ceará é uma realização do Ministério da Cultura (MinC) e do Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura (Secult), em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM), via Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. O evento conta com o patrocínio do Banco do Nordeste, Rede Itaú, Cagece e Cegás.
Serviço:
Bienal Internacional do Livro do Ceará
Quando: 4 a 13 de abril, das 9h às 22h
Onde: Centro de Eventos do Ceará – Avenida Washington Soares
Gratuito e aberto ao público
Programação no site: https://bienaldolivro.cultura.ce.gov.br