Ceará Ciclo Carnavalesco: Maracatu Rei de Paus celebra 70 anos com homenagem ao líder negro “Chico Rei”

11 de fevereiro de 2024 - 09:03 # # #

Ascom Secult Ceará - Marina Holanda

História de libertação inspira grupo homenageado pela Secult Ceará, em 2024.

Rei e Rainha do Maracatu Rei de Paus / Foto: Divulgação

A Secretaria da Cultura do Ceará (Secult Ceará) homenageia o Maracatu Rei de Paus no Ciclo Carnavalesco 2024. O grupo celebra 70 anos de trajetória, levando a memória do líder negro “Chico Rei” para a avenida. Instrumento de visibilidade social, espaço de criação, conservação, preservação de tradições e construção identitária, o Maracatu cearense é um patrimônio imaterial que carrega o legado das matrizes afro-brasileiras.

Reconhecido como Tesouro Vivo e Ponto de Cultura pela Secult Ceará, o Maracatu Rei de Paus é considerado o grupo mais antigo em atividades contínuas e ininterruptas no Ceará. Foi fundado pela família Barbosa (vinda de Aracati) e inicialmente chamado de “Ás de Paus”, renomeado em 1954 para “Rei de Paus” por Antônio Barbosa da Silva, juntamente com seus irmãos Geraldo Barbosa, José Bernardino e amigos da vizinhança, no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza. Atualmente, a agremiação é presidida por Francisco José Barbosa da Silva, e conta com a colaboração assídua de familiares e moradores da comunidade desde a sua fundação.

Com estandarte predominantemente nas cores preto e branco, o Maracatu Rei de Paus se destaca pela sua disciplina, com batida e melodia em cadência mais lenta, marcada pelo som dos metais. Por trás das fantasias requintadas e voluptuosas, uma rica pesquisa histórica embasa a criação de figurinos e adereços que ganham vida no corpo dos brincantes, durante o carnaval. “Não somos só um grupo carnavalesco. Levamos a história do povo negro brasileiro em forma de cortejo, ano após ano”, enfatiza o presidente e historiador Francisco José.

70 anos de tradição, celebrando a memória do povo negro

Em 2024, o Maracatu Rei de Paus completa 70 anos e leva para Avenida Domingos Olímpio um luxuoso desfile, homenageando “Chico Rei”, líder africano natural do Congo, que foi escravizado e levado para Minas Gerais. Ao trabalhar nas minas, ele encontra o veio de ouro e consegue comprar sua própria alforria, da família e todos os súditos. Sua história de libertação é celebrada com a criação das tradicionais festas de congo ou conhecidas “congadas”, em conexão com as igrejas do Rosário, de onde posteriormente surgem os maracatus.

O maracatu possui personagens característicos repletos de significado, incorporados por brincantes que vão se somando de forma voluntária e espontânea. Um destes personagens emblemáticos é o balaieiro, figura que simboliza a fartura do cortejo. Os alimentos carregados em um balaio na cabeça representam riqueza e poder de agregação para cortejar a rainha. Yago Alberto é balaieiro do Maracatu Rei de Paus, integrante da agremiação desde 2008. Iniciou sua relação com o grupo indo assistir aos desfiles, quando recebeu de sua vizinha o convite para brincar no Maracatu. “Comecei ajudando a fazer as confecções de fantasias e nos desfiles na avenida, ajudando o pessoal a se arrumar. Em 2008, eu entrei na bateria e desfilei um bom tempo como baterista; depois, saí de princesa e em 2016, o antigo balaieiro me entregou o cargo e eu aceitei”, relembra Yago.

balaieiro Maracatu Rei de Paus / Foto: Acervo pessoal.

O professor Hilário Ferreira, pesquisador da cultura negra cearense e brincante de maracatu, desfilou pela primeira vez no Maracatu Rei de Paus em 1991 e, posteriormente, nos anos de 2007 até 2018. Ele ressalta a relevância dos maracatus tradicionais para a garantia da identidade negra do povo cearense.

“Há uma contribuição muito positiva do maracatu Rei de Paus e de todos os maracatus tradicionais, na perspectiva de preservar e conservar toda uma uma tradição que se inicia na metade do século passado. Quando a gente mergulha na história das relações etnico-raciais no Brasil, após o período da abolição, os ataques às manifestações culturais de reminiscências africanas e culturas afro-brasileiras se intensificam nas primeiras décadas do século 20. A partir da década de 30, você observa a busca do Estado em se apropriar de algumas culturas africanas, esvaziá-las de sentido e transformá-las em símbolo nacional. Isso acontece com o samba, e isso vai acontecer com o maracatu. Não é à toa que na década de 30, os maracatus são chamados para desfilar no carnaval de rua, não como manifestação de uma cultura africana de matriz congo-angolana, mas como agremiação folclórica. Aí há a perda do sentido”, analisa o professor Hilário Ferreira.

Hilário Ferreira representando o orixá Xangô, em desfile de maracatu / Foto: Acervo pessoal.

O Maracatu Rei de Paus evidencia a busca pela ancestralidade nas letras das suas loas e na sua musicalidade percussiva. “Eu particularmente, quando ia para os ensaios e até hoje, o toque do tambor, principalmente o toque do triângulo, dos metais, me remontam à uma identidade, como uma felicidade muito grande”, ressalta Ferreira.

As músicas cantadas principalmente pelo pai do Francisco José, seu Geraldo Barbosa — quem criava as músicas. Atualmente o seu filho vai nesse mesmo caminho — falam de Angola, do Congo, dos Orixás, das matrizes iorubás, onde é perceptível a presença da cultura africana cearense. O Maracatu do Ceará tem sua especificidade, com uma batida lenta mas com grande potência. “A contribuição do maracatu Rei de Paus para a cultura cearense é a preservação de uma memória coletiva negro africana de matriz congo-angolana. Ainda é preciso uma formação que nos faça perceber o que é essa matriz, para que a gente possa mais profundamente sentir o toque dos maracatus”, complementa o professor Hilário.

Confira a Loa do Maracatu Rei de Paus 2024:

“Chico Rei”
Composição: Francisco José Barbosa

Foi trazido do Congo distante
Escravizado para trabalhar
Lá na Mina da Encardideira
Em Vila Rica foi garimpar
Comprou a sua liberdade
De todo o seu povo e o filho libertou
Salve Santa Efigênia e Rosário dos Pretos
Que Chico Rei homenageou

Galanga, Chico Rei
O seu povo libertou
Na Igreja do Rosário
Preta Velha saravou
Na Igreja do Rosário
Preta Velha saravou

Galanga, Chico Rei
O seu povo libertou
Na Igreja do Rosário
Preta Velha saravou
Na Igreja do Rosário
Preta Velha saravou

Atotô, Atotô, Atotô Obaluayê e Odoyá Yemanjá
Tem muzenza de negros do Congo
Exu tá na frente vamos desfilar
Salve os mina e os angolas
Cruzadas as linhas vamos saravá
Os tambores rufaram, foi lá no Congo
Saravando Ogum Rei de Paus vai dançar