XV Encontro Mestres do Mundo chega ao terceiro dia desbravando territórios culturais do Cariri, oficinas e artesanias

10 de dezembro de 2023 - 00:47 #

Antonio Laudenir - Ascom Secult

De 7 a 10 de dezembro, o Centro Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo sedia este território de trocas e vivências com os guardiões e as guardiãs das sabedorias populares do Ceará. Fotos: Jeny Sousa.

Ver mestres e mestras da cultura dialogarem acerca das experiências e saberes é um dos pontos altos do XV Encontro Mestres do Mundo. Para o público, este sentimento de encanto reverbera, inspira e oferta reflexões sobre o futuro. O sábado (9) adentrou esta rica troca em diferentes territórios do Cariri.

As atividades prosseguiram com aulas-espetáculo, seminário, sessão de filmes, rodas de conversa, apresentações musicais e uma inesquecível experiência a partir do intercâmbio realizado entre os mestres ligados ao sagrado. Presente em todos os dias do evento, a “Feira dos Mestres e Mestras” reúne os trabalhos únicos de artesania de nossos guardiões do saber.

Realizado pelo Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura (Secult Ceará) e do Centro Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo, em parceria com o Instituto Mirante de Cultura e Arte, esta edição celebra 20 anos da política dos Tesouros Vivos do Ceará.

Entre os dias 7 a 10 de dezembro, o Centro Cultural do Cariri, espaço que integra a Rede Pública de Equipamentos Culturais do Ceará (Rece), sedia uma rica programação gratuita, aberta ao público e com participação e intercâmbio de inúmeros mestres e mestras que salvaguardam a sabedoria de nosso estado. 

Importante dinâmica na estrutura da programação, a “Roda de Saberes” é o espaço no qual os mestres debatem e reafirmam suas vivências. Além do espaço sede, as ações do evento também acontecem em outros territórios do Cariri. Oportunidade para apreciarmos um pouco da história tecida em comunidades, terreiros, oficinas e ateliês.

Neste sábado (9), foram concretizadas as rodas “Mãos: O saber e o fazer na ponta dos dedos” e “Sagrado: Os ancestrais do presente”. O Encontro ainda contou com as sessões  “Corpo: o fazer brincante” (realizada no Terreiro do Mestre Cirilo) e “Sons: A reza na dança”, que será apresentada neste domingo (10). E o momento que reuniu os mestres da tradição religiosa foi destaque no terceiro dia de programação.

Na rota dos sagrados 

Pela manhã, a atividade “Percursos da Tradição – Com Mestres e Mestras dos Sagrados” agrupou estas lideranças na casa de reza da Mãe Dodô, localizada no Bairro Horto, em Juazeiro do Norte. Diferentes crenças, representadas por estas lideranças religiosas e culturais, se uniram neste diálogo único.

Participaram Mestre Geraldo Ramos (Juazeiro do Norte-CE), Mestre Pajé Luís Caboclo (Itarema-CE), Mestre Cacique João Venâncio (Itarema-CE), Mestra Cacique Pequena (Aquiraz-CE), Mestra Pajé Dona Raimunda Tapeba (Caucaia-CE), Mestre Cacique Sotero (Aratuba-CE), Mestra Dona Expedita (Tianguá-CE), Mestre Joaquim Roseno (Quixadá-CE), Mestre Deca Pinheiro (Assaré-CE), Mestre Pai Neto Tranca Rua (Fortaleza-CE), Mestra Maria Izabel (Juazeiro do Norte-CE), Mestre Vamirez (Senador Pompeu-CE) e Mestra Mãe Zimá (Fortaleza-CE). 

Após este intercâmbio efetivado na casa de Mãe Dodô, mestres e mestras finalizaram a roda de saberes no Horto Padre Cícero, com visita à estátua de Cícero Romão Batista (1844-1934) e ao Museu Vivo do Padre Cícero. A agenda foi concluída com o passeio de teleférico oferecido a mestres e acompanhantes.

“Considero um momento de renovação da fé, alegria e harmonia. É onde nos comunicamos com nossos ancestrais, mesmo sendo de religiões diferentes. É um momento de glória. A comunicação aqui hoje foi mais espiritual do que material. A cultura da espiritualidade é vital  estar dentro da cultura, porque a espiritualidade não tem religião”, explica Mestre Pai Neto Tranca Rua.

“Muito feliz porque ouvimos sobre o que é o sagrado. Aqui, estamos na sagrada-família. Aqui é uma família”, compartilha Mestre Deca Pinheiro. Antes do caminho que leva os mestres até o Horto, o mediador Lázaro Macedo explicou o valor desta dinâmica com os Tesouros Vivos. 

“Isso é ótimo à questão do respeito às religiões que temos de trabalhar. E graças a Deus, na nossa região, não temos esses conflitos. Com esse grupo do Sagrado, vemos como a interação é muito importante. Todos respeitando sua religião e religiosidade, agradecendo cada uma a seu Deus, aos seus louvores, a sua forma de pensar. O Mestre do Mundo proporcionou isso aqui no Cariri”, afirmou Lázaro Macedo.

Vivência no Horto

Mestre da cultura indígena, Cacique Sotero, da Aldeia indígena Kanindé, em Aratuba, revelou toda a alegria de poder visitar, pela primeira vez, o Horto. Além do monumento homenagem a Padre Cícero, a vista única da Chapada do Araripe transmitia toda sua conexão com a natureza.

“Muito feliz de estar aqui, em Juazeiro, vendo a beleza da natureza que ainda não conhecia. Acho muito importante essa troca de ideia, conversa e conhecimento nosso. Deixando esse saber para esse povo novo que está se gerando. Aprendendo com as nossas conversas, nossas palavras”, descreveu Mestre Cacique Sotero.

Para compreender a riqueza e valor da proposta de unir estas referências da tradição religiosa, conversamos com as mediadoras Verônica e Valéria Carvalho. Referências na luta pelos direitos civis dos povos caririenses, dentre outras iniciativas, estas educadoras populares são fundadoras do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec).

“Essa partilha de saberes, essa união, é vivenciar o sagrado de cada um deles. É consolidar que tudo que existe na terra é sagrado. Esse momento é o suprassumo do Encontro. Pensar esse caminho da fé, ressaltando o que é sagrado para cada um desses mestres, para mim, é uma vivência que ficará na minha vida”, descreve a mediadora Verônica Carvalho. 

“Eles sonharam com isso. Vi mestre chorando. Mestre que queria cantar os benditos e  esqueceu. É muito bacana, eles precisam de tempo para assimilar esta mística que tem aqui. Eles sabem o que querem. Essa reconexão com o sagrado é conexão consigo mesmo”, destaca Valéria Carvalho.  

Da oficina à feira

Ainda nesse processo de visita aos territórios de atuação dos mestres, o sábado contou com a oficina “Lutheria de Instrumentos”, realizada no Terreiro Casa Luz, de Mestre Aécio de Zaira (Crato-CE). Além dele, a facilitação desta troca de conhecimentos contou com Mestre Gil Chagas/ Gil D’aurora (Aurora-CE) e Mestre Totonho (Mauriti-CE).

Seguindo a dinâmica que adentra os fazeres dos Tesouros Vivos, o Centro Cultural Cariri recebeu a oficina “Artesanato em Couro”, com Mestre Chico Belo (Caridade-CE). Pela tarde, aconteceu a oficina “Artesanato em Cerâmica”, com Mestra Dona Vanusa (Viçosa do Ceará-CE) e Mestra Dona Branca (Ipu-CE). Todas as formações com vagas integralmente ocupadas.

Outra possibilidade para acessar os trabalhos de artesania no XV Encontro Mestres do Mundo acontece na “Feira dos Mestres e Mestras”, que dispõe de inúmeros produtos feitos à mão pelos patrimônios vivos de nossa cultura. Mestra Dona Branca, que ofertou a oficina “Artesanato em Cerâmica”, é uma das participantes. 

Mestra Dona Branca diz estar muito grata em poder dividir um pouco de sua sabedoria na arte do barro. Em outro sentido, a Feira realizada no Encontro é avaliada como sucesso, por conta da boa procura por suas peças. Ainda estamos no penúltimo dia e restam poucas unidades ainda à venda. 

A Feira reúne trabalhos como instrumentos musicais, esculturas, xilogravura, cordel, brinquedos, adereços, renda, couro, bordado e cerâmicas. Iniciante na feira de artesanato, Eliene da Silva representa a mãe, a mestra Dona Cosma da Silva Tecla, esta detentora de imensa sabedoria no manuseio da palha. 

A filha explica que a família pretende inserir a mãe no próximo edital de Tesouros Vivos. O que, para ela, seria o reconhecimento de toda a trajetória realizada pela mestra ainda não titulada.

Os trabalhos expostos são confeccionados pela Associação dos Artesãos da Mãe das Dores do Pe. Cícero, fundada em julho de 1984.  “Estou gostando muito, tem sido bastante positiva, participativa e as pessoas estão apreciando os produtos e muito interessadas na ideia de transformar a palha do milho e da bananeira, junto do tecido, em obras de arte. É uma técnica na qual posso fazer, um utilitário, uma decoração, algo para presentear a mim ou alguém”, afirma. 

Terceiro dia de muitos mundos

Ainda repercutindo os destaques no terceiro dia do Encontros Mestres do Mundo, o “Seminário Interdisciplinar de Patrimônio Imaterial: 20 anos de Futuro” realizou a mesa 3, com o tema “Para quem – As experiências de Notório Saber”, que trouxe Ricardo Nascimento (Fórum do Notório Saber do Ceará/UNILAB), Guilherme Bertissolo (Universidade Federal da Bahia), Fernando Mencarelli (Universidade Federal de Minas Gerais), José Jorge de Carvalho (Encontro de Saberes da Universidade de Brasília), Aglaíze da Silva Damasceno Levy (Universidade Federal do Cariri) e Fabiano Piúba (Secretaria de Formação, Livro e Leitura/MinC). A mediação foi de Mariângela Andrade (Diretoria de Educação e Formação Artística e Cultural/SEFLI/MinC).

>> O Seminário está disponível no YouTube da Secult Ceará

O sábado ainda trouxe a aula espetáculo “Brinquedos populares do Ceará”, com Mestre Cirilo (Maneiro-Pau, Coco, e São Gonçalo/Crato-CE), Mestra Maria de Tiê (Dança do coco e maneiro-pau/Porteiras-CE) e Mestre Expedito Caboco (Banda cabaçal- Juazeiro do Norte-CE).

E teve sessão de audiovisual onde mestres e mestras foram protagonistas em tela. Com direção de Augusto Pessoa, “Fala Mestre, Inventário da Tradição” teve realização do Complexo Ambiental Mirante do Caldas – Instituto Dragão do Mar – SEMA. Entre as produções audiovisuais apresentadas constam a obra “Tesouros Vivos do Ceará”, com o episódio “Mestra Cacique Pequena: Força Nativa de uma Mulher Guerreira”. Outro atrativo é a sessão de “Reis do Cariri” (1978), que pertence ao Acervo Museu da Imagem e do Som – CE. 

>> Assista ao MiniDoc: Cacique Pequena, Força Nativa de uma Mulher Guerreira, no YouTube da Secult Ceará 

O sabor e pertencimento de nossa culinária tradicional foi sucesso de público na Cozinha Rita e Zenilda (Estande Mercado AlimentaCE). Duas aulas-show trouxeram os temas “De comer o Cariri – Baião de Xerém do povo Kariri Poço Dantas-Umari” (com a professora Indra Nunes e Pajé Rosa Cariri) e  “Linguiça de porco com especiarias”, com Marina Araújo, chef e diretora do Mercado AlimentaCE.

O videomapping “Homenagem aos encantados”, de Valentino Kmentt, realizado durante todos os dias do evento, anunciou a chegada das apresentações musicais. O palco localizado no  Terreiro das Artes do Centro Cultural Cariri recebeu a Banda Cabaçal Mestre Expedito Caboco (Juazeiro do Norte-CE), Coco de Praia do Iguape – Mestre Chico Casueira (Aquiraz-CE) e Grupo Bongar (Terreiro da Xambá – PE).

O Encontro Mestres do Mundo segue até domingo (10), no Centro Cultural do Cariri, em Crato.