Artista drag queen, Deydianne Piaf faz sua primeira contação de história para crianças e adolescentes

19 de novembro de 2022 - 22:07 #

Atividade integrou programação do eixo Literatura e Infância da XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará e fez sucesso com a plateia. Livros escolhidos abordam temas relacionados à diversidade e respeito. Foto: 

Lugar de drag queen é na escola sim, por que não? Esse foi o questionamento que levou a artista Deydianne Piaf ao encontro de Paula Yemanjá, coordenadora do Eixo Literatura e Infância da XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará – realizada pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult Ceará) e Instituto Dragão do Mar (IDM). Drag queen há pelo menos 20 anos, Deydianne foi um dos destaques da programação desta quarta (16), quando, pela primeira vez, realizou uma contação de história para crianças e adolescentes. ⁠

Era pouco mais de 10h e a sala já estava lotada quando a artista foi anunciada: “É a primeira vez que uma drag queen faz uma atividade como essa na Bienal. Recebam ela que é DJ, atriz, top model, confuseira e agora se lança apresentadora infanto-juvenil”, brincou Paula Yemanjá na apresentação. Mesmo desenrolada, Deydianne não precisou driblar qualquer estranhamento da plateia – que, ao contrário, foi participativa e respeitosa desde o princípio.

Para a atividade, foram escolhidos dois livros: “Raiva”, de Blandina Franco e José Carlos Lollo, e “Princesa Kevin”, de Michaël Escoffier. No primeiro, a raiva é apresentada de maneira mais concreta, a partir da figura de um bicho, um monstro, com o objetivo de facilitar o entendimento do pequeno leitor a respeito de algo tão abstrato quanto um sentimento. “Pensamos no título tendo em vista a construção de um discurso de paz, de diálogos, em oposição a essa onda de ódio que vivemos atualmente”, justificou Paula.

Na contação, Deydianne ia lendo enquanto fazia suas próprias intervenções, em uma interpretação que dava nova vida às histórias. Ao passar para o segundo livro, a artista perguntou: “Quem já viu uma drag queen de perto, fora eu?”. Na ausência de respostas, Deydianne emendou o mote do pequeno garoto Kevin, que desejava ser princesa, e para isso escolhia usar um vestido

“É uma história que fala dessa liberdade, de ser quem queremos ser. Lembrei muito de mim mesma: minha avó tinha uma loja de noivas e quando criança eu ia lá brincar escondido, usar os vestidos, achando que eu não poderia ser uma princesa. Mas a gente percebe que podemos sim”, comparou Deydianne.

“Depois que comecei a trabalhar como drag queen, tinha receio, achava que não poderia estar com crianças. Mas em algumas situações, quando a gente faz eventos particulares, por exemplo, percebr que é a criança quem mais vem, chega junto, fica encantada, quer falar com você. Então quando Paula me fez esse convite, foi desafiador e encantador ao mesmo tempo, porque era uma oportunidade de desmistificar isso. Às vezes você vai cheio de receio e os meninos já chegam te ensinando, comentando da roupa, da maquiagem. Eles já estão ligados”, comemora a artista.

Segundo Paula, a escolha dos livros e da própria Deydianne permite trazer questões que precisam ser abordadas com essa faixa etária. “Por exemplo, os tipos possíveis de formações familiares, não apenas essa de pai, mãe e filhos. Temos casais homoafetivos, temos mães solos, pais viúvos. Passa também por questões de gênero, no caso de ‘Princesa Kevin’. É uma história interessante porque, ao mesmo tempo em que fala do direito da criança de exercer sua criatividade, usar determinada roupa, trata de estereótipos de gênero e de como as pessoas reagem à quebra de padrões”, pontua a coordenadora.

Outra experiência exitosa nesse sentido foi a série de lançamentos do livro “Para Belchior com amor”, assinado por Kelmer e Alan. “Fizemos uns 15 lançamentos na cidade, em bares e locais do tipo, e a publicação se pagou rápida, porque tem apelo. E os eventos mexem com os jogos de desejo, de movimento. O cara vai no lançamento, gasta R$ 200 de cerveja e não leva o livro. Aos poucos, vamos quebrando isso”, relatou Alan. “O autor tem que ir aonde o povo está. Sei que o papel dele na cadeia é criar, não vender, mas não dá para se contentar com esse papel passivo. Eu nunca consegui, penso também no autor como vendedor, e aí precisa mesmo de uma certa cara de pau e disposição”, brincou Kelmer. No melhor estilo “faça você mesmo”, vida longa à cara e coragem de todos os que insistem no ofício das letras.

Outro convidado que também traz um trabalho nesse sentido para a Bienal é o ator Edivaldo Batista, que nesta quinta (16), às 10h, realiza a contação de história “Todas as cores do amor”. “Como homem cis gay sempre me chateava isso de não poder contar histórias para a infância, a partir de determinada idade, claro, fora desse padrão de príncipe que casa com a princesa, da princesa que precisa ser salva, dessa única forma de amor, dentro de uma estrutura bem machista, patriarcal. Então comecei a investigar determinadas narrativas de tradições orais, de alguns povos originários, que trazem de maneira lúdica essas relações de amor, independente do gênero. Então temos princesas que se apaixonam por princesas, ou que se casam com deusas. São histórias que podem e devem ser escutadas”, resume.

No fim, a apresentação de Deydianne funcionou tão bem que já foi acertada ali mesmo a seguinte. E em pouco mais de 15 minutos a sala estava cheia novamente, de olhos e mentes abertos para entender que a realidade não é somente o que conhecemos ou vivenciamos. O mesmo deve acontecer com a contação de Edivaldo Batista. O mundo é plural e é isso que o torna fascinante.

Em sua 14ª edição, a Bienal Internacional do Livro do Ceará acontece de 11 a 20 de novembro de 2022 no Centro de Eventos do Ceará. Apresentada pelo Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura e do Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura (IDM), o evento acontece em parceria com a Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), Secretaria de Turismo do Ceará (Setur), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará (Secitece), Programa Mais Infância, Universidade Estadual do Ceará, Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece), o Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Ceará, a Câmara Cearense de Livro e o Sindilivros CE. O apoio é da RPS Eventos, Sesc Senac, Banco do Nordeste Cultural, Universidade de Fortaleza, Unilab, Universitária FM, TV Ceará, Jornal O Povo/Vida e Arte, Fundação Demócrito Rocha, Pixels Educação Tecnológica, Instituto Juventude Inovação, Secretaria Municipal de Educação e Prefeitura de Fortaleza.