Bienal do Livro festeja a cidade e os livros em uma homenagem a Sérvulo Esmeraldo

16 de julho de 2019 - 11:50 # # # # #

 

A Femme-Bateau está na identidade visual da edição de 2019. Poética, literária e muito simbólica no tempo em que o artista completaria 90 anos

Um barco exalando fumaça, uma mulher com cabelos esvoaçantes, uma sereia misteriosa… Quem vê a obra Femme-Bateau, de Sérvulo Esmeraldo, pode ter interpretações múltiplas. A criação do cearense permite diferentes leituras e isso chamou a atenção de Anna Dantes, editora carioca convidada para criar o selo e a identidade visual para a XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, que acontece de 16 a 25 de agosto em Fortaleza. “Foi algo surpreendente, eu tinha outra proposta para a identidade visual, quando vi a Femme-Bateau do Sérvulo ela tomou conta da ideia do selo. Ela é poética, potente e tem uma relação afetiva com a cidade. É uma imagem muito interessante, que se transforma a partir da leitura que se faz dela; pode ser rebocador que solta fumaça ou uma mulher barco. Como o Ela traz esse caminho de possibilidades”, comenta.

Segundo Anna Dantes, esta é a mensagem: “É uma Bienal voltada para o entendimento de que temos que abrir espaço para mundos possíveis, para cidades possíveis, e a Femme-Bateau, como disse o Sérvulo, é uma Femme-Bateau cuja missão é nos conduzir com segurança, fantasia, coragem e esperança”. No olhar da editora, o artista cearense, que começou sua trajetória fazendo xilogravuras, tem uma obra bastante gráfica. “Sua obra é uma escrita na cidade, suas esculturas ampliam muito o olhar entendendo relação entre formas, vazios, espaços e cores. É muito importante ter um artista como o Sérvulo inspirando todas as peças gráficas da Bienal. A arte cinética é uma espécie de narrativa, de força em movimento, tem uma relação bastante literária. Ele é um artista de referência no Ceará e no Brasil, com uma rica relação com o mundo, com a cidade e com outros pintores e escritores”, destaca Anna Dantes.

Ela explica ainda que o projeto gráfico da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará busca a expansão da percepção das coisas baseado nas cores e na tipologia simples, que utiliza uma letra manual, do agora, do gesto de escrever. A imagem do Sérvulo serviu de matriz de pensamento e de criação para uma oficina de criação imersiva realizada em julho com estudantes e professores dos cursos de Publicidade e Arquitetura da Universidade de Fortaleza. “Durante o encontro desenvolvemos uma fonte com todo o alfabeto que estará na sinalização, na escrita de toda a Bienal. É um trabalho bem interessante cuja matriz é uma mulher-barco, uma mulher-cobra, uma mulher-canoa, relembrando o mito de origem da vida”, comenta.

A decisão de homenagear Sérvulo foi recebida com muita alegria por Dodora Guimarães, viúva do artista e presidente do Instituto Cultural Sérvulo Esmeraldo, criado em 2013 e responsável pelo acervo e legado do artista. “É uma homenagem linda e, porque não dizer, também muito poética. Sérvulo Esmeraldo amava os livros. Há inclusive um texto seu no qual ele se apresenta como um livro. Os livros sempre estiveram presentes na vida dele. Na infância e juventude ele foi muito influenciado pelos livros, como leitor e pesquisador. Os livros eram suas fontes de estudos para projetos que intuiu menino ainda”, lembra.

Neste 2019, quando ele completaria 90 anos de vida, o Ceará celebra o Ano Cultura Sérvulo Esmeraldo. A homenagem é fruto de um projeto de lei encaminhado pelo governador Camilo Santana e aprovado pela Assembleia Legislativa. A “Femme Bateau” é sua escultura-biruta atracada nas longarinas da Ponte dos Ingleses (ela está sumida, mas voltará ao seu lugar, brevemente), e também uma marca da Praia de Iracema, uma imagem flutuante e misteriosa.

Para Anna Dantes e Dodora, a homenagem da Bienal contribuirá para maior conhecimento e difusão da obra de Sérvulo Esmeraldo. Atividades didáticas também estão sendo pensadas no sentido de trabalhar a vida e a obra do cearense como o escultor das obras monumentais tão significativas para a capital cearense. “O artista também foi um importante gravador em Paris, onde viveu por mais de 20 anos, o desenhista que desde menino traçou na mente a linha do horizonte da Chapada do Araripe (no Crato, onde ele nasceu em 1929), o artista da geometria, da matemática e da física, da precisão e da concisão. Acredito no projeto curatorial da Bienal, na força e na envergadura da sua programação”, acrescenta Dodora.

Serviço
XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará
De 16 a 25 de agosto, de 10h às 22h
Centro de Eventos do Ceará.

Sérvulo, um admirador dos livros

Foto: Gentil Barreira.

 

“Sérvulo Esmeraldo era apaixonado pelos livros e seus autores. No Crato ele se correspondeu com o escritor Érico Veríssimo. Ele gostava muito da palavra, da tipografia, do papel, do cheiro da tinta. Para ele, o livro era um objeto, antes de tudo, um objeto de desejo. Foi pelos livros que ele chegou a planejar a construção de um vulcão, ainda menino no Crato; que aprendeu a medir árvores; que chegou a Fortaleza, expulso do Ginásio Diocesano do Crato, por estar com um livro de Jorge Amado; que ele chegou a sua famosa série que chamou “Les Excitables”. Antes, foi capista e ilustrador. Orgulhava-se de ter feito a capa da primeira edição do livro “Ninguém escreve ao Coronel”, de Gabriel Garcia Marquez, publicado pela Gallimard, na França. Livros de Artistas foi uma das linguagens trabalhadas por Esmeraldo. Possuímos alguns livros-objetos feitos por ele. Tivemos eu e ele, no início dos anos 80, o sonho de uma pequena editora de livros de artista. Eram livros com tiragem de 50 ou 60 exemplares, em papel feito a mão, que nós fabricávamos. Iniciamos duas coleções, “Códices” e “Rótulo”. A regra era um pequeno texto e um conjunto de xilogravuras ou estampas. Editamos álbuns dos artistas Aldemir Martins, Leonilson, Alberon e Sérvulo , e um livro de poemas concretista do Pedro Henrique Saraiva Leão, com introdução do José Alcides Pinto. Vale dizer que seu primeiro emprego foi como secretário do escritor e jurista Fran Martins, editora do Instituto do Ceará, em Fortaleza.

Ele sempre cultivou uma boa biblioteca. Lia diariamente. Gostava dos clássicos e dos contemporâneos. Gostava de ler romances policiais, livros técnicos e filosóficos. Mas, tinha um livro que era o seu xodó: “Les Matemathiques””.

Dodora Guimarães, esposa do artista e presidente do Instituto Sérvulo Esmeraldo

La Femme Bateau

A escultura foi engolida pelas ondas da ressaca do mar no dia 2 de março de 2018. “Com o seu naufrágio, constatou-se o grande amor que envolvia a Mulher-Barco e a cidade. Fortaleza pranteou a Femme Bateau. A imprensa, as mídias sociais e os fotógrafos Gentil Barreira e Tibico Brasil fizeram plantão na expectativa do resgate, da volta do “Barquinho””, lembra Dodora. O salva-vidas José de Alencar a localizou num barranco de areia, sob as águas revoltas dos Verdes Mares. O Corpo de Bombeiros a resgatou. Da praia ela seguiu em caminhão aberto direto pra Metalúrgica para restauro.

Inicialmente, “La Femme Bateau” foi desenvolvida em fibra de vidro com dimensões 1,5m x 5,5m e instalada originalmente na Ponte dos Ingleses em 1994. Após passar por outros dois naufrágios, a obra foi reconstruída em aço inox pintado pesando cerca de 400 kg. A obra nasceu de uma lembrança vivida em outros mares, foi sempre muito querida por ele, a quem tratava de “Barquinho”. Sobre ela escreveu: ” É uma Femme Bateau cuja missão é nos conduzir com segurança, coragem, fantasia e esperança”. “Isso é tão bonito, tão atual, tão necessário”, comenta Dodora.

Mais sobre o Ano Cultural Sérvulo Esmeraldo

O Ano Cultural presta homenagem “in memoriam” para Esmeraldo, nascido em 27 de fevereiro de 1929, um artista pioneiro; inventor reconhecido nacionalmente e internacionalmente como desenhista, escultor, gravador, ilustrador e pintor cearense sempre preocupado em difundir a cultura no Estado. Ele fez uso de seu prestígio como artista internacional, agindo em defesa da política cultural, bem como da classe artística. A agenda comemorativa prosseguirá até 27 de fevereiro de 2020. Para novembro está programado o Festival Sérvulo Esmeraldo 90 que acontecerá no Crato sua cidade natal.

As obras de Sérvulo em Fortaleza

A lista de obras na capital cearense é extensa. O artista possui obras também no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar e na Coleção da Fundação Edson Queiroz. Neste momento ele tem obras em duas exposições em cartaz no Espaço Cultural Unifor: na mostra “Modernismo na Coleção Fundação Edson Queiroz” e na “Da Terra Brasilis à Aldeia Global”.

Algumas obras públicas ou integradas à Arquitetura

Mural Cinético, 1977

Painel em madeira policromada, 2,10 x 5,30m

Grupo J. Macêdo – Aldeota

 

Monumento ao Saneamento Básico da Cidade de Fortaleza, 1977-1978

Escultura em aço pintado, 11,20 x 33,90x 1,50m

Praia do Náutico – Meireles

 

Monumento ao 50º do Jornal O Povo, 1978

Escultura em aço pintado, 133,5 x 1,10m

Jornal O Povo – Joaquim Távora

 

Sem Título, 1978

Escultura pênsil em aço pintado, 2,40 x 3,16m

Sede Administrativa do Banco do Nordeste do Brasil – Passaré

 

Portão/Mural, 1980

Escultura em aço pintado, 2,10 x 4,20m

Ed. Cnte. Vital Rolim – Centro

 

Quadrados, 1981

Escultura em aço pintado, 5,30 x 2,00 x 3,80m

Justiça Federal – Centro

 

Pirâmides, 1991

Escultura em aço pintado, 4,00 x 4,50m

Parque do Cocó – Cocó

 

Espiral, 1984

Escultura em aço pintado, 3,00 x 0,50m

Sede PAX – Centro

 

Infinito (homenagem a Brancusi), 1983

Escultura em aço pintado, 6,00 x 0,50 x 0,40m

Praça General Murilo Borges – Centro

 

Monumento ao Jangadeiro, 1992

Escultura em aço pintado, 6,00 x 3,00 x 1,00 m, Avenida Beira Mar

Cones, 1997

 

Escultura em aço pintado (PB), 6,50m de altura

Parque de Esculturas CDL, Rua 25 de Março – Centro

Ballet Gráfico, 2002

 

Escultura-fonte cinética em aço inox, medindo o maior cone 4,00 m de altura

Praça da Sé – Centro

Pirâmides, 1987-2008

 

Escultura em aço pintado, composta de três elementos móveis:

a. 5,00, altura – secção quadrada 20 x 20 cm; b. 4,00m altura – secção quadrada

15 x 15 cm; c. 3,00, altura – secção quadrada 10 x 10 cm

 

Encosta do Seminário Crato CE

Tetraedros, 1989 – 2015.

 

Escultura em aço pintado, 78 x 300 x 75 cm

Campus Pimenta da URCA , Pimenta

 

Sem título, 1997-2012,

Escultura composta de dois elementos paralelos, medindo cada: 224 x 102 x 152 cm

Jardim Campus Unifor, Edson Queiroz

Dantes Editora

Empresa de Anna Paula Sampaio da Silva Martins, também conhecida como Anna Dantes, que trabalha com livros desde 1988, ano em que inaugurou sua primeira livraria de obras antigas, a Alfarrábio. Em 1994 a Dantes Livraria foi inaugurada e 1997 passou também a casa editorial. O primeiro livro publicado, O subterrâneo do morro do Castelo, de Lima Barreto, recebeu o prêmio Estácio de Sá de Literatura. O livro A verdadeira história dos nus selvagens… de Hans Staden foi considerado o Melhor Livro Brasil 200 Anos pela FNLIJ. Desde então, a Dantes é responsável por trabalhos de edição, tendo a pesquisa transdisciplinar como modelo. Em 2009 realizou o projeto O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli, que conciliou publicação de livros e exposições no Rio de Janeiro e em Inhotim (MG). Anna Dantes foi curadora também da exposição Glaziou e os jardins sinuosos, para o Ano França-Brasil, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. A Dantes coordenou o laboratório Setor X nas Biblioteca Parque de Manguinhos, Alemão, Rocinha e na PUC. Há oito anos realiza, junto ao povo Huni Kuin no Acre, o projeto Una Shubu Hiwea, Livro Escola Viva que conta com parceiros como Jardim Botânico do Rio de Janeiro e Itaú Cultural e tem dois livros publicados (Una Isi Kayawa ganhou o Prêmio Jabuti em Ciência da Naturesza), dois filmes, uma escola construída na aldeia Coração da Floresta, site e exposição no Itaú Cultural. Atualmente dedica-se também ao Selvagem, ciclo de estudos sobre a vida, rodas de conversas a partir de edição de livros que tratam das correspondências entre conhecimentos científicos, artísticos e tradicionais. Entre os 55 títulos publicados pela Dantes Editora, estão livros sobre arte, poesia, plantas, história natural e literatura. A extensão da experiência de edição para outros formatos – laboratórios, oficinas, revistas, curadorias, exposições, coleções de moda, ciclos de estudo e filmes – representa o compromisso da Dantes para transmissão de conhecimento e da memória.